segunda-feira, 25 de julho de 2016

São Paulo - Marcos Nobre

• Temer, Serra e Kassab costuram um novo polo político

- Valor Econômico

Chega a dar arrepios pensar que, depois da presidência de José Sarney, sofreu impeachment quem ocupou o cargo não tendo base, história nem sustentação política em São Paulo: Fernando Collor e Dilma Rousseff. O próprio Sarney só levou seu mandato até o final porque assumiu a Presidência em circunstâncias trágicas e porque teve seu sustentáculo em Ulysses Guimarães, político paulista tradicional. Itamar Franco só conseguiu colocar nos trilhos o seu mandato tampão depois que terceirizou o governo para o PSDB paulista, Fernando Henrique Cardoso à frente. A ascensão do paulista Michel Temer à Presidência não faz senão restaurar esse padrão preocupante da política nacional.

Não é de espantar, portanto, que a eleição para a Prefeitura de São Paulo ganhe um destaque desproporcional na cobertura e nas atenções. Espanta é constatar a capacidade da classe política baseada no Estado de traduzir poderio econômico e populacional em termos de força política, a capacidade de se impor, desde a década de 1980, como uma espécie de hub da política nacional em um país das dimensões do Brasil. Cedo ou tarde, os embates internos ao Estado acabam sempre sendo projetados para o nível nacional.

Não que a Prefeitura de São Paulo seja um trampolim para a Presidência da República. Pelo contrário, apenas Jânio Quadros conseguiu esse feito, depois de ter ocupado a cadeira na primeira metade dos anos 1950, com o resultado trágico que se conhece. Quase nunca são os nomes eles mesmos que estão em causa para a eleição nacional, mas sim as forças que os apoiam. O desempenho de cada candidatura significa o fortalecimento ou o enfraquecimento de certo campo da política paulista que depois irá se refletir de maneira decisiva na política nacional, na eleição seguinte. Sendo o Estado de São Paulo o grande eleitor, a eleição em sua capital é sempre uma prévia do campo dos possíveis nas eleições gerais.

Nenhum ator político relevante trabalha com a real possibilidade da candidatura do favorito nas pesquisas até agora, Celso Russomanno. Mesmo com seu expressivo favoritismo, o pré-candidato pelo PRB foi abandonado por todos os partidos que haviam prometido fechar alianças. E a verdade é que o isolamento de sua candidatura foi mesmo recebido com alívio. O campo paulista se livra com gosto de um outsider como ele.

Especialmente em uma situação que representa um racha histórico na política do Estado e da cidade, uma fratura dentro de dois campos que se tornaram tradicionais desde a eleição de 2000. Com a proibição do financiamento empresarial, os ativos das candidaturas se resumem à ocupação da máquina das prefeituras, aos recursos públicos dos próprios partidos e à arrecadação de doações por pessoas físicas. Como ocupar a prefeitura em um momento de recessão aguda mais atrapalha do que ajuda, a disputa se reduziu às duas outras fontes. É fundamentalmente uma disputa que se dá entre controle do Fundo Partidário, de um lado, e capacidade de financiamento privado, de outro.

O racha do lado do campo liderado até pouco tempo atrás pelo PSDB significa o fim de um acordo interno que durou pelo menos 15 anos. Foi um pacto que garantiu o rodízio de candidaturas presidenciais e mesmo à prefeitura e ao Estado de São Paulo. Lula foi o candidato do PT por nada menos do que cinco eleições consecutivas. Sem o mesmo grau de unidade de ação, o PSDB pós-FHC fez um acordo interno para não repetir o mesmo candidato na eleição seguinte. E a cada eleição presidencial os postulantes futuros (governadores seja de São Paulo seja de Minas Gerais) torpedeavam como podiam o colega de partido para que perdesse a eleição. Pela lógica do rodízio, caberia a Geraldo Alckmin a candidatura presidencial em 2018. Mas Aécio Neves já deixou claro que quer quebrar a regra de não repetir a candidatura tucana na eleição seguinte. E José Serra quer postular pela terceira vez.

Foi o rompimento desse pacto que levou o governador Geraldo Alckmin a impor ao PSDB candidatura de João Doria à Prefeitura de São Paulo. Alijado da disputa, Andrea Matarazzo, tucano histórico ligado a José Serra, trocou o partido pelo PSD e lançou sua candidatura a prefeito. E a direção nacional do PSDB, controlada por Aécio (em aliança com Serra, nesse caso) aproveitou para deixar claro que Doria não receberia recursos do Fundo Partidário. Já esperando pela reação, Alckmin escolheu um candidato rico. E capaz de arrecadar doações significativas por parte de pessoas físicas.

Matarazzo não conseguiu viabilizar até agora sua candidatura. O presidente de seu novo partido e ex-prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab, também ministro de Temer, garantiu que Matarazzo pode ser candidato a prefeito o quanto quiser. Só não garantiu que terá recursos do Fundo Partidário. Mas deu a entender que os recursos podem vir se Matarazzo aceitar figurar como vice de Marta Suplicy (PMDB). Contra Alckmin, Serra e Kassab apostam em um novo polo, em aliança com Temer. A se confirmar a composição, uma candidata pelo PMDB que historicamente pertenceu ao PT terá como vice em sua chapa um quadro histórico do PSDB que se encontra hoje no PSD, partido que surgiu como racha do PFL/DEM.

O racha no campo liderado até bem pouco tempo pelo PT é igualmente sintomático. Nada menos do que três das candidaturas atuais não apenas pertenceram ou pertencem ao partido como se elegeram à prefeitura e cumpriram seus mandatos pelo PT: Marta Suplicy, Fernando Haddad (PT) e Luiza Erundina (Psol). A candidatura de Erundina representa o desafio do Psol à pretensão do PT de se manter na liderança do campo da esquerda. Já a sopa de letras partidárias cozinhada por Temer, Serra e Kassab não tem a pretensão de substituir o PSDB como um dos polos da política nacional. Seu objetivo é antes preservar o PSDB como polo e se estabelecer como o polo adversário. O que significa dizer que o arco político das candidaturas de Marta e Doria tem um objetivo comum: nada menos do que a exclusão do PT como um dos polos da política paulista e, por consequência, da política nacional.
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Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap.

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