sexta-feira, 29 de julho de 2016

Sem sinal de resposta - Marina Silva

• Permanecem fortes as pressões para desmontar as leis ambientais e suprimir os direitos sociais

- Valor Econômico

Tenho mantido a esperança de que a sociedade brasileira aproveite esse momento de crise para reelaborar seus projetos estratégicos e sua visão do futuro. Venho defendendo a ideia de que - mais do que um ajuste fiscal - precisamos de um Ajuste Brasil.

Algumas perguntas colocam claramente nossos dilemas. Será desejável que continuemos a ser o país das commodities de baixo valor agregado? Estaremos condenados ao atraso na corrida global pela inovação científica e tecnológica? Queremos mesmo ser um dos líderes mundiais em destruição ambiental e violência urbana e rural?

Predomina entre nós uma visão reducionista da economia, na qual essas escolhas estratégicas não são levadas em conta, como se dependessem de fatores externos e imponderáveis. A louvada e louvável competência técnica da equipe econômica do governo interino, em vez de superar esse limite conceitual, parece aprofundá-lo. Confia-se a esse time de especialistas a missão de estancar a hemorragia econômica do país, restaurando a estabilidade financeira e a racionalidade nas relações entre Estado e mercado. Mas essas não são questões restritas a um setor (aliás, a economia não é um setor), nem podem ser resolvidas apenas com uma boa gestão em dois ministérios e no Banco Central.

O time pode ser bom para o campeonato nacional, mas ainda sem preparo para a copa das nações. Ninguém duvida que seja urgente reduzir o déficit fiscal, baixar os juros básicos, controlar a inflação e elevar os níveis de poupança e de investimentos públicos e privados. Mas isso, embora melhore a competitividade, não muda a posição do país no âmbito global, pois não redefine o modelo de desenvolvimento nem faz a mudança de rumo, o trânsito necessário para um possível momento pós-crise.

O presidente interino e seu superministro da Fazenda guardam total silêncio sobre questões que as principais lideranças políticas e econômicas do mundo estão debatendo, como as mudanças climáticas e a descarbonização da economia. E o restante do governo - com exceção do ministro do Meio Ambiente, Sarney Filho, e do ministro das Relações Exteriores, José Serra, que sinalizaram prioridade a algumas pautas no Congresso - parece não ter nada a dizer sobre isso. É como se o Brasil não estivesse neste planeta.

A ciência nos mostra o oposto: que somos um dos países mais vulneráveis à elevação da temperatura do planeta; que os principais setores de nossa economia, agricultura especialmente, sofrerão prejuízos bilionários; que aumentará exponencialmente a mortalidade nas regiões mais pobres - como o semiárido - e nas cidades, com a frequência dos eventos climáticos extremos.

Mas além do clima, mudam também as economias e surgem novas oportunidades de desenvolvimento. Por isso, países como Estados Unidos, Alemanha, França, Japão, e até mesmo os antes renitentes China e Índia, estão fazendo grandes investimentos na geração de energia renovável, transporte público de qualidade, materiais ecológicos, reflorestamento etc. Segundo a ONU, os investimentos em energia renovável totalizaram US$ 286 bilhões em 2015, 3% acima do recorde anterior de 2011. O total de investimento dos países "em desenvolvimento" subiu 19% em relação a 2014 e superou o dos países desenvolvidos, devido à contribuição da China e da Índia, que cresceram 17% e 22% respectivamente.

Três dias antes que fosse assinado o Acordo de Paris sobre mudanças climáticas, organizações que representam mais de 400 investidores institucionais, responsáveis por US$ 24 trilhões em ativos, pediram que os líderes mundiais colocassem o Acordo em prática com urgência, sinalizando grande interesse na nova agenda de desenvolvimento e Ajuste Global. Esse apelo não partiu dos ambientalistas, mas de poderosos investidores. Eles não o fizeram por convicções ideológicas ou romantismo, mas porque suas análises estratégicas mostram excelentes oportunidades nos negócios ligados à descarbonização da economia.

No Brasil, o que pensa o governo sobre esse assunto? E sobre a proteção da biodiversidade nos biomas ameaçados como pantanal, mata atlântica, pampa, cerrado, caatinga e Amazônia? E os direitos dos indígenas? E os recursos hídricos, os mananciais, a zona costeira, os solos?

Nossa economia depende dos recursos naturais. Ambientalistas e cientistas sabem disso, crianças do ensino fundamental veem isso nas aulas de geografia e ciências. E nossos ilustres economistas, acaso percebem que esses recursos devem ser usados com sabedoria para que nosso desenvolvimento seja sustentável?

As novas gerações fazem tais perguntas e uma parte mais atenta da sociedade se esforça para responder. Empresas, comunidades e organizações dos mais diversos tipos já recolhem resultados de pesquisas, estudos e, principalmente, experiências práticas de desenvolvimento sustentável que podem contribuir para a reconstrução, em outras bases, da economia brasileira.

Quanto ao silêncio do governo, dupla preocupação. Se a sustentabilidade não está presente na área econômica, a lógica da negociação parlamentar ameaça contaminar até a área ambiental. O Ministério Público já questionou as primeiras nomeações para as superintendências do Ibama, onde figuram, por exemplo, ex-deputada cassada e ex-prefeito autuado pelo próprio Ibama. A preocupação é justa, pois trata-se de um órgão da maior importância na proteção ambiental.

O alarme já estava aceso com o aumento de quase 100% do desmatamento na Amazônia em junho, em relação a 2015. Se esse aumento não pode ser creditado ao governo interino, pelo pouquíssimo tempo de gestão, a reversão do processo exige sua responsabilidade, ao menos para implementar o Cadastro Ambiental Rural, que já foi adiado duas vezes e tem novo prazo estendido para maio de 2017.

Tudo isso mostra que permanecem fortes as pressões para desmontar as leis ambientais e suprimir os direitos sociais, com patrocínio das mesmas entidades e lideranças empresariais que há décadas se insurgem contra qualquer gestão socioambiental no país, pois ancoram seus negócios no atraso e na devastação, em vez de investir na atualização tecnológica e na sustentabilidade.

O governo estará cometendo um grave erro se continuar dando apoio a esses retrocessos. E não será por falta de avisos e perguntas, infelizmente até aqui sem o mínimo sinal de resposta.
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Marina Silva, ex-senadora e fundadora da Rede Sustentabilidade, foi ministra do Meio Ambiente e candidata à Presidência da República em 2010 e em 2014.

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