quinta-feira, 21 de julho de 2016

Um cenário otimista para a taxa Selic - Sergio Lamucci

• Queda mais forte do juro requer avanço do ajuste fiscal

- Valor Econômico

Os juros continuam nas alturas, apesar da longa e dolorosa recessão que se arrasta desde o segundo trimestre de 2014. O problema é que a inflação só começou a ceder nos últimos meses, enquanto as expectativas inflacionárias para 2017 e 2018 tiveram melhora mais significativa apenas nas últimas semanas.

Aos poucos, contudo, abre-se espaço para um corte da Selic em algum momento do segundo semestre, e há quem veja a possibilidade de os juros enfim caminharem para níveis bem mais civilizados - e de modo sustentado. Com uma grande ociosidade na economia, a perspectiva de um ajuste fiscal de prazo mais longo e a contenção do crédito público, o BC poderá levar a Selic para a casa de um dígito ainda em 2017, avalia Fernando Montero, economista-chefe da corretora Tullett Prebon.


Ontem, a taxa foi mantida pelo Banco Central (BC) em 14,25% ao ano. "O processo de ajuste comporta uma bem-vinda restrição fiscal e parafiscal [os empréstimos dos bancos públicos], que nunca existiu neste país de juros astronômicos", diz Montero.

Em retomadas anteriores, gastos e créditos públicos se aceleravam, crescendo a uma velocidade superior à do PIB. Com esse movimento pró-cíclico do setor público, havia pressão sobre as contas externas, a inflação e os juros, segundo o economista. Agora, o quadro é diferente. Um terço dos gastos da economia - as despesas públicas - e metade dos créditos -o dos bancos oficiais - deverão ser contidos. A recuperação recairá então sobre o setor privado, ainda às voltas com dívidas elevadas, inadimplência, desemprego e ociosidade, como nota Montero.

A volta da confiança sozinha, porém, não será suficiente para trazer essa demanda, nem o país vai gerar saldos comerciais gigantescos, suficientes para puxar a economia, diz. "Mas nós temos juros", aponta o economista, que insiste: "A recuperação terá que ser puxada pela absorção interna, e esta, por juros."

Montero considera possível um crescimento de 2% ou mais em 2017, um número mais otimista do que a da maior parte dos analistas - a mediana das projeções dos economistas ouvidos pelo BC é de uma expansão de 1,1%. "Podemos crescer 2% ou mais em 2017 por confiança e queda de inflação, mas também por juros. Podemos crescer e cortar juros mais do que se espera e irmos para uma Selic de um dígito por ociosidade, confiança e uma âncora fiscal, que precisará absolutamente segurar gastos e créditos públicos", resume Montero.

O economista diz que não quer "minimizar o enorme desafio que comporta o ajuste fiscal", mas observa que, se ele for "crível e consistente", "haverá um ajuste monetário como o Brasil nunca teve".

O espaço para a queda dos juros vem da inflação em baixa, da absorção do efeito dos choques de preços relativos [a desvalorização do câmbio e a correção de preços administrados] e "fundamentalmente, de uma recessão e ociosidade enorme, que acomoda tudo isso, abrindo espaço para a recuperação cíclica", diz Montero.

Para ele, a presidente afastada Dilma Rousseff, "muito a contragosto", fez um "tremendo favor" ao presidente interino Michel Temer. "E Temer veio em boa hora. A credibilidade e consistência de sua equipe permitem dar a essa recessão e ociosidade um bom uso, em vez de degringolar de vez", afirma.

Segundo Montero, a retomada, "possível pela oferta ociosa", vai precisar de juros mais baixos, necessários pela demanda anêmica. "Essa demanda, fraca do setor privado e congelada do público, é um bom problema, quase uma solução." Nesse cenário, "um programa de contas públicas minimamente consistente (ou seja, duríssimo) em sintonia com a política monetária pode desatar um processo insuspeitadamente virtuoso", afirma Montero.

O êxito do ajuste fiscal vai depender especialmente da implementação bem-sucedida do projeto que limita a expansão dos gastos da União à inflação do ano anterior. Alguns analistas veem possíveis dificuldades para que o teto seja cumprido em prazos mais longos (ver Rigidez de gasto público levanta dúvidas sobre a eficácia do teto no longo prazo).

O presidente do BC, Ilan Goldfajn, já disse que o avanço de medidas fiscais é fundamental para a instituição cortar os juros. É um sinal de que Ilan pretende seguir por um caminho diferente de seu antecessor, Alexandre Tombini, que baixou fortemente a Selic mesmo sem a contrapartida de contas públicas mais apertadas.

Na administração de Tombini, os juros caíram muito, chegando a 7,25% em outubro de 2012, mas sem que houvesse condições para uma queda tão expressiva. Não havia o respaldo da política fiscal e as projeções apontavam uma inflação acima da meta de 4,5%.

A redução da Selic na marra levou à perda de credibilidade do BC, evidenciada no descontrole das expectativas de inflação. A coleção de erros da nova matriz econômica, entre os quais o tombo forçado dos juros, produziu o quadro mais emblemático de seu fracasso em 2014. A economia entrou em recessão e o IPCA ficou em 6,4%, muito perto do teto do intervalo de tolerância da meta, de 6,5%, e assim mesmo por causa do represamento de alguns preços administrados (como energia elétrica e combustíveis).

Em 2015, a inflação subiu com força, sofrendo os efeito da depreciação do câmbio, da correção dos preços administrados e da inércia elevada, com o IPCA fechando o ano em 10,7%. Isso fez o BC elevar a Selic até 14,25%, nível em que se encontra desde julho do ano passado.

Com as mudanças no BC e na Fazenda, as expectativas de inflação têm recuado com mais força. A retomada do controle das projeções inflacionárias é um passo importante, devendo facilitar o trabalho do BC de levar o IPCA para a meta de 4,5%. A aposta majoritária, hoje, é que os juros começarão a cair em outubro.

O quadro desenhado por Montero para os juros é plausível, requerendo a implementação bem-sucedida do ajuste fiscal. Com expectativas sob controle, ociosidade na economia e uma política fiscal e uma parafiscal contracionistas, deverá haver espaço para cortes mais fortes da Selic em 2017, impulsionando a atividade. Depois de uma recessão tão dura e prolongada, seria um processo de fato virtuoso, como define Montero.

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