segunda-feira, 11 de julho de 2016

Uma oportunidade para o Congresso – Editorial / O Estado de S. Paulo

A renúncia do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) à presidência da Câmara é uma oportunidade para que os parlamentares inaugurem um novo padrão de responsabilidade no trato do interesse público e se tornem, afinal, parte da solução para tirar o País da crise.

O atual material humano disponível no Congresso, porém, recomenda que essa responsabilidade seja vista com prudência. O que predomina ali são os efeitos da promíscua relação entre o Executivo e o Legislativo, cevada por mais de uma década de lulopetismo. O mensalão e o petrolão afetaram fortemente a qualidade da representação parlamentar. Não admira, por isso, que se tenha na Câmara uma base governista ruim, que mal consegue enxergar além do próprio umbigo.


Exemplo cristalino dessa má qualidade da base governista foi o que ocorreu na semana passada na Câmara. Era de especial relevância para o governo Michel Temer que fosse decretado regime de urgência constitucional para o Projeto de Lei Complementar 257/16, que trata da renegociação das dívidas dos Estados e Distrito Federal com a União. Para que o requerimento de urgência fosse aprovado pelo plenário, eram necessários 257 votos a favor – a maioria absoluta dos parlamentares –, mas o governo teve apenas o apoio de 253 deputados. Selou-se assim a primeira derrota no Congresso do presidente em exercício.

A rejeição do requerimento de urgência não foi apenas uma questão de “desarticulação das alianças”, uma falha técnica no jogo político. Tratá-la assim seria confundir os sintomas com as causas. Não se questiona o fato de que um pouco mais de diligência das lideranças governistas poderia ter produzido outro resultado, evitando assim uma derrota do governo em momento ainda tão delicado politicamente. Tal circunstância não esconde, porém, a dura realidade de que essa aparente desarticulação é sintoma de algo mais profundo – a inapetência para atuar segundo o interesse público.

Houve deputado que aproveitou a votação da urgência para fazer oposição ao governador de seu Estado, como se a renegociação da dívida – que afeta diretamente as finanças estaduais nos próximos 20 anos – fosse mera intriga partidária. Não viu que, com seu voto, boicotava os interesses de seu Estado. Não soube distinguir o interesse público de questões políticas locais.

Mais de 100 deputados estavam na Câmara mas não apareceram no plenário para votar. Muitos deles eram do próprio PMDB, o que revela uma vez mais a falta de unidade do partido do governo.

Para sair da crise o País precisa necessariamente do Congresso, cuja composição atual não é especialmente dada a proporcionar esperanças à sociedade.

Também não há mágicas e, portanto, não se deve esperar uma coesão que até o momento nunca existiu. O País continuará precisando conviver com o fato de que a crise não é “apenas” econômica. Não se trata “somente” de superar a recessão, a inflação, o desemprego, o déficit fiscal ou a falta de confiança dos investidores – problemas de enorme gravidade e que não são resolvidos da noite para o dia. Também é parte do problema a atual qualidade das bancadas parlamentares. Sempre que podem, elas relembram, não sem certa dose de perversidade, que o interesse público raramente é motivo suficiente para a escolha de determinada opção. Adestradas por anos de PT no governo federal, estão sempre à cata de incentivos adicionais.

Tudo isso, porém, não é incompatível com a evidência de que a renúncia de Eduardo Cunha à presidência da Câmara oferece oportunidade para uma nova postura dos parlamentares. Inspirados pelo afastamento ainda temporário, mas com fortes chances de se tornar definitivo, da presidente Dilma Rousseff e pela saída de Cunha da presidência da Câmara – e, como o País está a exigir, também pela cassação de seu mandato parlamentar –, deputados e senadores podem assumir a responsabilidade que lhes cabe nessa empreitada de tirar o Brasil da crise.
Em breve saberemos se, deixando de lado a política mesquinha de que o País está cansado, eles se colocarão à altura do grave momento que vivemos.

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