segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Arena para a disputa entre Serra e Meirelles - Marcos Nobre

• O governo Temer se vê como germe de um novo polo de poder

- Valor Econômico

Em março de 2006, o então prefeito de São Paulo, José Serra, deixou o cargo para concorrer ao governo do Estado. Foi quando seu vice, Gilberto Kassab, assumiu a prefeitura. Em 2008, Kassab foi eleito prefeito de São Paulo como cabeça de chapa. Filiado então ao DEM, Kassab considerou que sua vitória na eleição da maior cidade do país o credenciava automaticamente a ocupar a direção do partido a que pertencia.

O DEM, herdeiro do PFL, parecia destinado ao desaparecimento. Em 1998, o PFL tinha atingido o seu pico na década de 1990, elegendo algo como 20% dos deputados federais (seu auge havia se dado em 1986, quando elegeu quase um quarto da Câmara). A partir de então, em uma tentativa de interromper seu declínio eleitoral, mudou o nome para DEM, em 2007. Mas a mudança não surtiu o efeito esperado. Na eleição de 2010 conseguiu eleger pouco mais de 8% dos deputados.

Foi nesse momento que Kassab desistiu de esperar que a cúpula partidária desbloqueasse o caminho para sua ascensão no partido, suspendendo o veto à sua liderança. Partiu para a criação de um novo partido, o PSD, fundado em 2011. O ciclo de governos petistas parecia que iria durar 20 anos. E tinha muita gente cansada de viver do pão e água que cabem a quem é oposição. Queriam aderir. Precisavam apenas da porta institucional adequada para isso.

A iniciativa coincidia também com o projeto do governo Dilma de diminuir a força do PMDB, colocando lenha na fogueira da fragmentação partidária. Sendo possível roubar parlamentares tanto do PMDB quanto da oposição, o resultado deveria levar à formação de um ou dois partidos médios capazes de competir com o PMDB pela liderança da base. A iniciativa coincidia ainda, do lado oposto, com o projeto do candidato derrotado na eleição, José Serra, que queria construir um plano B para uma nova postulação presidencial, já que o PSDB parecia um caminho bloqueado para suas pretensões tanto por Aécio Neves quanto por Geraldo Alckmin.

O PSD nasceu já como a quarta maior bancada na Câmara, com 48 deputados, além de dois senadores. Na eleição seguinte, em 2012, passou a ocupar o lugar de quarta força política em termos do número de prefeituras conquistadas. O sucesso foi tanto que Kassab pensou até mesmo em abrir uma franquia, refundando outro partido, o PL, surfando na insanidade normal que tinha se tornado a fragmentação partidária.

Para mostrar que Kassab pegava todas as ondas que aparecessem, fundou o PSD também em acordo tácito com o PSB, liderado pelo então governador de Pernambuco, Eduardo Campos, falecido no início da campanha eleitoral de 2014. Havia um acerto de que o novo partido não invadiria terreno do PSB e que passariam a jogar juntos, em atuação complementar. Essa outra vertente do projeto de Kassab vislumbrava, desde 2011, a formação de um polo alternativo viável ao binômio PT-PSDB.

Os rumos tomados pelos dois partidos desde então não convergiram para esse objetivo. Após a morte precoce de Eduardo Campos, a cúpula do PSB se amarrou à candidatura presidencial do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin. Mas, após a votação do impeachment de Dilma Rousseff na Câmara, parte da cúpula do PSD retomou esse antigo projeto em novas bases. Trabalha hoje para um alinhamento em torno de uma candidatura que saia do governo Temer, entendido como germe de um novo polo de poder.

O primeiro obstáculo no caminho desse projeto é o próprio PSD. Afinal, o partido é figura de proa dos 170 votos obtidos por Rogério Rosso em sua candidatura à presidência da Câmara, quando foi derrotado pelos 285 votos de Rodrigo Maia. Desde a fundação do PSD, Kassab é seu presidente, mas desde a ascensão de Eduardo Cunha à presidência da Câmara, em fevereiro de 2015, não consegue mais impor sua liderança ao partido. Para retomar a direção de seu próprio partido, Kassab precisa desfazer a teia montada por Eduardo Cunha.

Para isso, precisa de Temer. E o presidente interino mostrou estar em completo acordo com o projeto quando enunciou a declaração de guerra desastrada de que pretendia "desidratar essa coisa de Centrão". A vitória de Rodrigo Maia veio com a defecção de um importante integrante do baixo Centrão, o PR. A desidratação definitiva do bloco começará com a retomada por Kassab do efetivo controle do PSD, que marcará a retomada do controle pelas cúpulas partidárias. Será a última estaca no coração de Eduardo Cunha, unificando a base parlamentar do novo governo, hoje ainda fraturada.

Se bem sucedida a reorganização envolvendo PSD, PMDB e setores do PSDB, do PPS e mesmo do DEM, um novo polo de poder terá se formado. E, com ele, terá sido montada uma arena organizada para a disputa entre Serra e Henrique Meirelles pela candidatura presidencial de 2018. Se os dois ministros continuarem a travar a disputa em campos políticos distintos, a possibilidade de fratura interna do governo passa a ser alta e potencialmente autodestrutiva.

Bem-sucedida a construção do novo polo, tanto no Congresso quanto no governo, Meirelles (que é filiado ao PSD) e Serra (que não tem chance de sair candidato pelo PSDB) ficam avisados da nova regra de medir forças dentro de um mesmo novo campo político. Não é um objetivo evidente de ser alcançado, como o demonstra o lançamento amalucado de Michel Temer à reeleição por Rodrigo Maia em entrevista a "O Estado de S. Paulo" publicada ontem. Mas é o plano mais sofisticado de que dispõe o governo Temer não apenas para conseguir sobreviver como para se projetar para além de 2018.

A sequência Olimpíada, votação final do impeachment e eleições municipais dará bons três meses de trégua ao atual governo. Só que o tempo é curto para consolidar o ambicioso novo projeto. As eleições municipais são oportunidade preciosa para essa construção. Mas serão também marcadas por uma altíssima rejeição ao sistema político e por novas regras de financiamento de campanha que tornam ainda mais imprevisível o resultado. Para piorar, as próximas eleições serão um momento de especial selvageria em uma luta partidária mais fragmentada do que nunca.
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Marcos Nobre é professor de filosofia política da Unicamp e pesquisador do Cebrap.

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