quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Colapso político e econômico facilita o impeachment – Editorial / Valor Econômico

Desde pelo menos 2013 o governo de Dilma Rousseff deu chances ao azar, ao realizar operações heterodoxas com a contabilidade pública, depois batizadas de pedaladas fiscais. Ao assumir a Presidência, a dívida bruta federal era de 54,2% do PIB. Ao ser afastada do cargo para enfrentar um processo de impeachment, a dívida havia saltado para 68,6% do PIB - e deverá crescer até o fim da década. Sua administração arruinou as contas públicas e produziu em 2015 um rombo de quase US$ 100 bilhões, o maior desde 1996.

Pode-se produzir um resultado desastroso desses sem ferir leis. O equilíbrio fiscal não era prioridade do governo Dilma, mas em vez de assumir as contas no vermelho, prometeu superávits (cada vez menores) e enfeitou as contas, adiando a progressiva ruína do Estado. Com isso, abriu um flanco vulnerável legal, que foi aproveitado politicamente por seus adversários. Quando isso ocorreu, a presidente já havia perdido totalmente as condições de influenciar o Congresso e, com isso, de governar.


Se os atos de 2015 - créditos suplementares sem aprovação do Legislativo e não cobertura de pagamentos do Plano Safra ao Banco do Brasil - são suficientes em si para o impeachment é uma discussão pesada, que "a população desconhece", como diz José Eduardo Cardozo, advogado de defesa de Dilma. Haveria menos dúvidas se o fato fosse o rombo de R$ 57 bilhões, a maior parte em um ano em que a presidente disputava a reeleição - perto do qual as pedaladas do ano passado parecem irrelevantes. O retrato de 2015 parece mesquinho, mas o filme, que começou muito antes, é grandioso.

A Constituição, aprovada quando não existia a reeleição, dispôs que o presidente não pode ser julgado por atos que não ocorreram em seu mandato. As pedaladas de 2014, maiores e mais visíveis, não poderiam ser usadas como argumento legal para retirar Dilma do poder sem mais uma longa batalha judicial. Diante disso, a disputa se envolveu em um cipoal burocrático cheio de filigranas que, ao que tudo indica, acabará por condenar politicamente a presidente.

O algoz de Dilma, o deputado Eduardo Cunha, quando buscava livrar o próprio pescoço da Justiça, negociando com o governo, admitiu que a pedalada "vem sendo praticada nos últimos 15 anos sem nenhuma punição" (18 de maio de 2015). Ainda em outubro, Cunha dizia que "pode existir pedalada e não haver motivação para o impeachment". No que tinha apoio de economistas como Delfim Netto: "Fazer impeachment disso é golpe". O próprio ministro do Tribunal de Contas da União, Augusto Nardes, que reprovou as contas do governo, antes não havia considerado relevantes outras pedaladas - é certo que não nos montantes atingidos no governo Dilma.

Mas por que uma questão considerada menor em outros governos passou a ser central e pode destituir Dilma da Presidência? O PT e governistas, que não admitem suas responsabilidades no festival de corrupção revelado pela Lava-Jato, escolheram a tese do golpe, a que melhor lhes convém.

Essa tese torna-se verossímil quando o processo de impeachment foi levado à frente por um deputado metido até o pescoço em escândalos, como Cunha, apoiado por uma miríade de partidos fisiológicos que até ontem apoiavam Dilma e disputavam migalhas do poder, e insuflado por uma oposição tucana que não aceitou a derrota nas urnas e que, relegando seu programa, passou a apoiar pautas no Congresso que quebrariam qualquer Estado, as bombas no Congresso. Além disso, o vice-presidente Michel Temer assinou alguns dos créditos suplementares contestados. E dezenas de deputados suspeitos de corrupção apoiaram a derrubada de quem não auferiu vantagem indevidas enquanto governou.

A incompetência política e o uso de expedientes duvidosos a serviço de uma orientação econômica que produziu a maior recessão em quase um século corroeram totalmente o capital político do governo. Dilma ficou isolada, sem sequer o apoio do PT, amargando enorme impopularidade, mesmo entre os que haviam nela votado.

Mas quem decide se as pedaladas são suficientes ou não para derrubar um presidente é o Congresso - Collor caiu por um Fiat Elba e foi depois absolvido. Não é um passeio aprovar o impeachment - dois terços em dois turnos na Câmara e no Senado. Os senadores decidem definitivamente a questão hoje.

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