domingo, 21 de agosto de 2016

Em busca do tempo perdido - José Casado

• O governo Temer já tem 100 dias, mas só vai começar mesmo quando acabar o governo Dilma

- O Globo

A conversa começara num tom de franqueza. Com polidez, Michel Temer tentava se antecipar às críticas dos convidados: — Sem sacrifícios, não conseguiremos. Vamos para medidas amargas... — dizia, quando foi cortado pelo paraibano senador Cássio Cunha Lima, em desabafo: — Amargo é o desemprego, presidente.

Temer e um grupo de influentes parlamentares do PSDB esgrimiam dúvidas à mesa do jantar. Sob o olhar atento dos peemedebistas Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Infraestrutura), ele mapeava os limites do esteio governamental no Congresso. Os senadores tucanos ruminavam o próprio ceticismo em relação à presidência Temer.

Queixaram-se, por exemplo, da complacência do governo e do PMDB com sucessivos aumentos salariais do funcionalismo, em meio à crise que levou a um déficit orçamentário de R$ 170 bilhões neste ano.


— Encontrei 14 aumentos salariais assinados, precisava cumprir — argumentou Temer. Acrescentou: —Ainda há mais três categorias (de servidores) para resolver.

— Assim não dá — reagiu o paulista Aloysio Nunes Ferreira, líder do governo no Senado. O cearense Tasso Jereissati reclamou: —Isso já foi longe demais, onde é que vai parar? O capixaba Ricardo Ferraço completou: — Não estamos trabalhando com o mesmo diagnóstico (da crise). Sobraram censuras e advertências sobre o tempo perdido com os sinais de leniência do governo e do PMDB. Lembrouse da negociação do socorro aos Estados endividados. Pressionado, Temer cedeu naquilo que qualificara como “indispensável”: um teto para despesas estaduais com pessoal, limitando a correção dos salários do funcionalismo à inflação do ano anterior, ideia herdada do governo do PT.

Outro exemplo foi o aval presidencial ao PMDB para aprovar aumento salarial dos juízes do Supremo. A repercussão será geral, pelo efeito vinculante aos salários de toda a cúpula do Judiciário, Legislativo e Executivo. Resultará em gasto adicional de R$ 5 bilhões, pela calculadora tucana.

Temer admitiu concessões “além do que devia”. Atenuou com a fragilidade de governo interino diante da organização sindical, incitada pelos adversários petistas. Situação delicada para qual não há alternativa, insistiu, enquanto estiver sob o signo da transitoriedade que a Constituição impõe ao cargo de presidente interino.

Mudança haverá, prometeu, quando o Senado transformar o vice-presidente em titular. Acenou com a vontade de trabalhar com eficácia para, em dois anos, assentar a biografia na “pacificação política”, “unificação do país” e na “retomada do desenvolvimento”. Para tanto, repetiu, serão necessárias as “medidas amargas” que pretende enunciar em discurso previsto para o feriado de 7 de setembro. Sonha com um legado de economia em crescimento e leis trabalhistas e de previdência social reformadas.

— Ou faz isso, ou o governo não aguenta — ouviu. — O presidente deve e vai surpreender — socorreu Moreira Franco.

Despediram-se na madrugada de sexta-feira, depois de quase quatro horas na residência do Jaburu, em Brasília.

Foram dormir confortados por múltiplos sonhos de poder e resignados a uma certeza: o governo Temer já tem 100 dias, mas só vai começar mesmo quando acabar o governo Dilma. O capítulo final do impeachment estreia às 9h da próxima quarta-feira no Senado.

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