quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Governo forte aprova reformas "impopulares" - Cristiano Romero

• Congresso não é obstáculo à aprovação de reformas

- Valor Econômico

Com o provável afastamento definitivo da presidente Dilma Rousseff, o novo governo enfrentará o desafio de conduzir o país em meio a uma das mais graves crises econômicas de sua história. O ajuste, evidentemente, já começou, mas somente agora o governo terá condições de tratar direta e abertamente de questões cruciais para encaminhar a solução da grande crise brasileira, que produziu uma recessão que já dura quase três anos; está encolhendo o Produto Interno Bruto (PIB) em quase 8% e a renda per capita em mais de 9% no biênio 2015/2016; desempregou mais de dez milhões de pessoas; quebrou dezenas de empresas e devolveu milhões de famílias à pobreza.

Está claro que a solução dos problemas não dependerá do governo, mas da sociedade. O único mérito da crise atual, se é que se pode falar em mérito num momento como este, é que ela forçosamente coloca a sociedade brasileira diante do espelho. A natureza fiscal da crise obrigará o país a redefinir as prioridades de gasto das três esferas de governo.

A gestão Temer deu passo importante nessa agenda ao apresentar ao Congresso Nacional a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que fixa um teto para os gastos federais durante 20 anos. Com o teto, a despesa global do governo não poderá crescer em termos reais, isto é, acima da inflação.


A medida, em si, é um avanço extraordinário porque o que levou o Brasil à atual crise foi justamente o crescimento descontrolado do gasto público, a taxas muito superiores às de variação da inflação, principalmente desde 2008, nos últimos anos do governo Lula e durante o primeiro mandato da presidente afastada Dilma Rousseff - daquele ano até 2015, a despesa total cresceu 50% em termos reais! Com a PEC, analistas já terão, em tese, como estimar a evolução das contas públicas nos próximos anos, uma vez que não haverá aumento real do gasto total nos próximos anos e o teto de 2017 será definido com base nas despesas deste ano, acrescidas da inflação de 2016. E, assim, sucessivamente, até 2036.

Para entrar em vigor em janeiro de 2017, a PEC dos gastos terá que ser aprovada até dezembro. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, já deixou claro, porém, que, mesmo que a PEC não passe no prazo esperado, o governo tem como respeitar o teto em 2017 e 2018. Além disso, os Estados terão que fazer o mesmo porque isso está previsto nos contratos de renegociação de suas dívidas com a União. O governo, porém, promete fazer todo o esforço para aprovar a PEC até dezembro.
Dado esse passo, governo, Congresso e sociedade passarão a debater as prioridades orçamentárias dos próximos anos, uma vez que, provavelmente a partir de 2019, se nada for feito, o teto constitucional não será mais respeitado. O Poder Executivo incorrerá, portanto, em crime e estará sujeito a uma série de punições e medidas compensatórias, uma delas, a proibição de reajuste dos salários do funcionalismo.

O tempo político para aprovar reformas será exíguo - os quatro meses que restam em 2016 e o ano de 2017. Em 2018, nada será votado porque o país terá um ano eleitoral turbulento, quando vão se confrontar representantes da esquerda destituída, do novo governo e de forças como o PSDB e Marina Silva (Rede).

Toda vez que se fala em reformas no Brasil, surgem vozes pregando que o Congresso não as aprova porque são medidas impopulares. Na verdade, as evidências históricas mostram que, para passar reformas, é necessário ter um governo forte. Collor usou o capital político de sua eleição para aprovar uma das medidas mais radicais da história econômica mundial: o confisco da poupança e de todo e qualquer depósito bancário, algo inimaginável para milhões de brasileiros que não sofreram os efeitos daquela decisão.

Eleito em 1994 como fiador do Plano Real, que estancou a hiperinflação, Fernando Henrique Cardoso aproveitou sua força inicial para aprovar uma série de reformas da ordem econômica. Na ocasião e durante muito tempo, dizia-se que quebrar monopólios de empresas estatais era medida impopular e que nenhum governo lograria êxito em fazê-lo. FHC acabou com o monopólio estatal da Petrobras e das teles e, ainda no primeiro mandato, privatizou todo o Sistema Telebrás, além da Vale - Usiminas e CSN, símbolos do estatismo, tinham sido vendidas nas gestões de Collor e Itamar Franco. Nada disso impediu que, em 1998, FHC fosse reeleito no primeiro turno da eleição.

Fernando Henrique fez também a primeira reforma da previdência social, mas esta ficou incompleta, muito provavelmente, porque só foi ao Congresso depois das reformas mencionadas. O governo já não dispunha de tanto capital político e carecia de liderança forte junto ao Congresso.

Eleito de forma consagradora em 2002, Lula mostrou interessante ímpeto reformista ao encaminhar ao Congresso a emenda que igualou as regras de aposentadoria dos funcionários públicos às dos trabalhadores do setor privado (INSS). A batalha não foi fácil, teve forte custo político, mas o Congresso aprovou a reforma. Lula pretendia também mexer na CLT, na lei de greve (para incluir o funcionalismo em sua jurisdição) e no sistema tributário, além de promover algumas privatizações (a do IRB, por exemplo), mas, acossado em 2005 pelo escândalo do mensalão, abandonou as mudanças. Depois de sobreviver ao escândalo, foi reeleito, mas preferiu imprimir tintas populistas ao novo mandato, em vez de propor reformas.

Michel Temer assumiu o poder com legitimidade constitucional, mas sem legitimidade popular. Com a definição do impeachment, ganha algum capital político, não se sabe quanto exatamente, mas talvez o suficiente para levar adiante a agenda já anunciada. A dúvida é saber se terá condições, por exemplo, de aprovar no Congresso, além da PEC dos gastos, a mãe de todas as reformas - a da previdência.

Trata-se de uma medida "impopular" ou "impopular" é a situação em que se encontram as contas públicas do país neste momento, principal fator da ruína econômica do país? Sem dúvida, é a reforma mais difícil, uma vez que mexe com o interesse direto de milhões de brasileiros que vivem com pensões e benefícios do INSS. Mas é bom lembrar: a previdência já passou por mudanças antes sem que os governantes de plantão passassem a ser rejeitados pela maioria da população.

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