sexta-feira, 19 de agosto de 2016

Hoje, muito menos – Ruy Castro

- Folha de S. Paulo

Alguns jornalistas americanos na Rio-2016 ficaram chocados com os biquínis e sungas dos brasileiros nas praias e piscinas — para eles, reduzidos demais. É mesmo? Bem, este é um assunto sobre o qual os EUA não podem legislar fora do seu feudo. Enquanto o Brasil mantiver a soberania sobre as virilhas nacionais, nossos rapazes e moças continuarão a se exibir como quiserem.

Os EUA parecem ter um problema com o corpo humano. No filme "Aconteceu Naquela Noite" (1934), de Frank Capra, Clark Gable ia passar uma noite (perfeitamente inofensiva) com Claudette Colbert. Quando se despiu para se deitar e surgiu na tela de peito nu, milhões de pascácios americanos descobriram estarrecidos que Clark Gable não usava camiseta sob a camisa social. E só então aderiram à prática, com o que a indústria de camisetas como roupa de baixo quase faliu.


Em "O Rei dos Reis" (1961), de Nicholas Ray, Jeffrey Hunter como Jesus Cristo passa boa parte do filme pregado na cruz, em andrajos, de braços abertos e com as axilas à mostra. A abundância de pelos no peito e debaixo dos braços era inadmissível para as famílias americanas. Daí Jeffrey Hunter sofreu uma depilação em regra e fez o Cristo mais glabro da história do Novo Testamento.

Sem falar em "O Círculo do Medo" (1962), de J. Lee Thompson, em que Robert Mitchum vive um vilão tão cruel quanto assustador. Mas, em certo momento, ele é levado a uma delegacia, ordenado a tirar a roupa, e o que se vê? Um homem sem calças e sem camisa, fortíssimo, mas com uma cueca gigante que lhe sai quase dos sovacos e vai até os joelhos. E, pior, de sapato e meias pretas. A plateia brasileira tinha uma explosão de riso e lá se ia o pavor que Mitchum despertava — porque, em 1962, já ninguém por aqui usaria tal cueca.

Hoje, muito menos. Exceto, talvez, alguns jornalistas americanos.

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