sexta-feira, 12 de agosto de 2016

"Não quero cometer estelionato eleitoral", diz Temer em entrevista

Por Claudia Safatle, Andrea Jubé, Bruno Peres e César Felício – Valor Econômico

BRASÍLIA - O presidente interino Michel Temer mostrou mais desenvoltura ao comentar temas políticos, inclusive as denúncias que o envolvem em suposto delito de caixa dois, na entrevista de uma hora e meia que concedeu ao Valor.
A seguir, os principais trechos:

Valor: O que muda no seu governo após a confirmação do impeachment?

Michel Temer: Muito pouco. Tenho feito distinção entre a figura física do presidente e a instituição Presidência da República. Por exercer a presidência, faço o que deve ser feito pelo titular. Amanhã faço 90 dias, e nesse período, fizemos coisas aparentemente ousadas: a fixação da meta [fiscal] de R$ 170 bilhões, encaminhamos a aprovação da DRU que estava há mais de dez meses parada na Câmara por falta de interlocução, a moralização das indicações para cargos nas estatais.

Valor: Falta aprovar a PEC do teto do gasto.

Temer: Em pouquíssimo tempo ela foi aprovada na CCJ [Comissão de Constituição e Justiça] da Câmara e agora, está se formando a comissão especial.

Valor: O governo conseguirá concluir logo a votação do projeto de renegociação das dívidas dos Estados com a União?

Temer: Isso estava rodando havia dois, três anos. Nós chegamos aqui, havia pressão de todo lado, e percebemos que era importante. Eu tenho a concepção de que a União só será forte se os Estados forem fortes. Os Estados ganharam um fôlego extraordinário. O teto dos gastos foi aprovado.

Valor: A retirada do congelamento da folha de salários dos Estados por dois anos foi uma derrota?

Temer: Se eu quisesse dizer que esse projeto tinha um bode, era esse dispositivo absolutamente dispensável. Foi uma coisa pedida pelos governadores, para que eles pudessem dizer, "olha, isso veio de Brasília". Mas eles já têm uma responsabilidade... é que ninguém dá importância para a Constituição [ele lê artigo 169 da Constituição, que estabelece teto para as despesas com pessoal, que tem de ser cumprido pelos governadores]. O artigo retirado do projeto era a repetição do artigo da Constituição que eu li.

Valor: Mas ninguém cumpre a lei se não há uma punição, não é?

Temer: A punição aqui é crime de responsabilidade [lê o artigo 85 da Constituição]. O governador não pode deixar de cumprir isso, sob pena de perder o cargo. Por isso falo na reconstitucionalização do país, para que possamos restabelecer as instituições, porque veja a confusão que deu. Quando vimos que esse dispositivo poderia impedir a aprovação do projeto fixador do teto, olhamos a Constituição e dissemos pode tirar. Estamos fazendo cocada com o coco do coqueiro.


Valor: Os agentes econômicos consideram que ou se aprova o ajuste como proposto pelo governo ou foi uma derrota. Como o senhor vai administrar as expectativas?

Temer: A visão brasileira é autoritária, o sonho de todo brasileiro é ter um governo forte, um Estado-pai, quando não é isso que está na Constituição. Tem que dialogar. Foi o que eu mais fiz nesse período, graças aos 24 anos que eu passei lá: restabelecer o diálogo com o Legislativo. Até hoje não deixamos de aprovar uma das tantas matérias que mencionamos. Querem fechar o Congresso, voltar ao decreto-lei? Eu não admitirei isso.

Valor: Na reforma da Previdência a mulher vai poder se aposentar mais cedo?

Temer: Eu sou favorável, não que a mulher tenha menos vitalidade. Sabidamente as mulheres hoje vivem mais que os homens, mas tem essa coisa da dupla, tríplice jornada. Na minha cabeça, tem que haver uma pequena diferença, se o homem se aposenta com 65 a mulher pode se aposentar com 62.

Valor: O governo conseguirá o apoio das centrais sindicais?

Temer: As centrais vão acabar não apoiando, seja qual for a reforma. Vamos mandar ao Congresso e ver o que acontece.

Valor: Haverá resistência.

Temer: Sim, vai ser uma luta feroz. Quando você me pergunta o que ocorrerá depois do impeachment, essa será uma das batalhas.

Valor: Quando a reforma será enviada ao Congresso?

Temer: Quando estiverem concluídas as negociações, não para ganhar unanimidade, mas para asfaltar o terreno. Não quero praticar estelionato eleitoral, então, não vou esperar passar a eleição. Se ficar pronta, eu mando antes.

Valor: O senhor diria que nos três meses de governo houve vitórias e derrotas?

Temer: Eu não encontro derrotas. Eu vejo um sucesso extraordinário.

Valor: O real está se apreciando rapidamente. A preocupação com o câmbio já chegou ao senhor?

Temer: Chegou. E a conclusão é que temos que manter um certo equilíbrio. Nem pode ter o dólar num patamar elevado, nem um dólar derretido.

Valor: O assunto está no seu radar?

Temer: Está. Ontem veio um grupo aqui [de 15 grandes empresários e banqueiros] e um dos temas que conversamos era sobre isso. Mas eles vieram aqui para dar apoio.

Valor: Fala-se muito na desindustrialização do país. Esse tema também já está sobre sua mesa?

Temer: Já. Precisamos primeiro restabelecer a confiança [ele mostra gráficos de melhora da confiança]. Depois, incentivar os investimentos, sejam nacionais ou estrangeiros. Vocês sabem que se o Senado vier a me confirmar, vou começar a fazer viagens pelo exterior. China, Nova York, Índia, países árabes... fiz viagens quando era vice e via que todo mundo queria aplicar no Brasil. Quando o governo estiver instalado e sem embargo de dizer que exerço a Presidência... lá fora as pessoas não sabem bem o que vai acontecer, então o nível de confiança não é extremo.

• "Precisamos restabelecer a confiança para depois incentivar os investimentos nacionais e estrangeiros"

Valor: Mas o senhor cogita algum tipo de política industrial?

Temer: Montada como projeto, não tem... Mas devo registrar, convenhamos, estou fazendo três meses. Tivemos que organizar o governo em sete dias. Não tivemos transição. Quando chegamos aqui tinha uma mocinha sentada na sala e nada mais, nada de histórico ou memória. O único lugar que realmente tinha era Banco Central, Fazenda, Planejamento, Banco do Brasil e Caixa Econômica, que são entes mais burocratizados. Mas nos outros casos, chegamos para organizar. E tivemos os protestos que hoje estão diminuindo um pouco.

Valor: Tinha os dados da área econômica.

Temer: Graças a Deus, tivemos uma equipe econômica da melhor suposição, em todos os níveis. Nas Relações Exteriores, disse ao [ministro José] Serra: vamos universalizar nossas relações, como convém a um Estado que se preza. Não vamos setorizar nossas relações, nem em função partidária ou ideológica. Vamos universalizar em beneficio do país para fazer investimentos. Na área politica estamos bem equacionados. Na área da Justiça, segurança, habitação. Hoje tivemos anúncios.

Valor: Quais?

Temer: Estavam dizendo que íamos acabar com programas sociais. Isso é fruto de uma ignorância da cultura política de que o governo que chega tem que destruir tudo que o governo anterior fez. Eu não faço isso. Então, Bolsa Família é importante. Revalorizamos, depois de dois anos e meio sem revalorização, em 12,5%. Tem significado, porque multiplica R$ 20 por 14 milhões de famílias. Sabe para onde vai isso? Para o armazém, para o supermercado. Movimenta a economia. Anunciamos mais 40 mil unidades do Minha Casa Minha Vida. Estamos fazendo coisa nos plano social extraordinárias, como não submeter quem tem filho com microcefalia às exigências do Minha Casa, Minha Vida. Entra diretamente. E por incrível que pareça há mais de 2,2 mil famílias nessas condições.

Valor: Há informações sobre um trabalho para que se estabeleça uma distinção entre caixa dois e propina, que pode levar a uma anistia. O senhor concorda?

Temer: Isso não me chegou aos ouvidos, só aos olhos. Acho, em primeiro lugar, que as medidas contra a corrupção, principalmente aquelas que estão na comissão especial, são úteis para o Brasil.

Valor: O ponto de vista que está prevalecendo entre os investigadores é de que se usava doações legais como pagamento disfarçado de propina.

Temer: Eu verifiquei que havia um sistema anterior pelo qual as empresas podiam doar. Percebi que depois que se proibiu a doação de pessoas jurídicas, que as doações formalmente legais entraram no partido e do partido saíram para o candidato A, B, C ou D. Essas doações estão sendo criminalizadas. Por que? Não pelo seu aspecto formal, mas pelo seu aspecto mais indutivo, achando que aquilo entrou porque havia propina. Então, vai precisar provar que aquele valor que entrou no partido e que houve prestação de contas, que aquilo é fruto de propina. É uma questão a ser examinada.

Valor: É algo que se aplica, inclusive, no noticiário que envolveu o senhor recentemente.

Temer: Claro. Aliás, não foi uma vez, não. Eu não tenho medo dessas coisas. Por exemplo, o [Marcelo] Odebrecht disse que esteve comigo - eu até pedi ao Márcio [assessor] para confirmar - em 2014. Eu era presidente do partido e ele acertou uma contribuição. Até se falou em R$ 10 milhões, mas na verdade foram R$ 11,3 milhões que ele entregou ao partido - tem a prestação de contas para todos os candidatos a governador...

Valor: Odebrecht não disse que era dinheiro do esquema da Petrobras.

Temer: Não sei se ele falou. A coisa vai para a imprensa e você não sabe se é fruto da delação, se é fruto do advogado, você não sabe de onde veio. Então, o que eu faço? Eu não vou negar que ele esteve comigo, como tantos outros empresários estiveram comigo.

Valor: O senhor defende mudança na Lei da Delação?

Temer: Não vejo motivo para mudar. Delata quem quer, tanto que tem gente que não delata. Tanto que tem advogados que não advogam para delator. Mas está previsto no sistema legal.

Valor: Falando em mudança de lei, o senhor pretende propor uma grande reforma na Lei de Responsabilidade Fiscal?

Temer: Não. O [Henrique] Meirelles vai estudar as adequações que se deva fazer na Lei de Responsabilidade Fiscal. Não para reduzir seus efeitos, ao contrário, para aumentá-los

Valor: Quem descumprir a lei seria ficha suja?

Temer: Eu digo uma coisa mais grave, quem desobedecer a esse preceito pode ser responsabilizado politicamente, e a responsabilidade política exige inelegibilidade.

Valor: O senhor fala em reconstitucionalizar o país. O que isso significa?

Temer: É fazer com que as pessoas prestem atenção, para saber que o governo não é só o Poder Executivo. Esse é um dos agentes do governo, nem é o dono do poder. O dono do poder é o povo, mas como o povo não pode se reunir em praça pública para decidir, então vamos dividir em órgãos. Um que legisla, um que executa e um que jurisdiciona. Quando falo em reconstitucionalizar, quero dizer que as pessoas devem ter consciência do que é o governo democrático no país.

Valor: Haverá uma reforma ministerial após a votação do impeachment?

Temer: Eu não penso em fazer uma reforma ministerial. Ela pode ocorrer, mas dependendo das circunstâncias lá na frente. Nesse momento, não.

Valor: Ou seja, ficará restrita ao Ministério do Turismo e os cargos que estão vagos?

Temer: Sim, Turismo e Planejamento.

Valor: O ministro Eliseu Padilha falou na recriação da pasta do Desenvolvimento Agrário.

Temer: Esse é um caso que eu vou examinar. É possível que haja [a recriação], mas ainda não está decidido.

Valor: No caso do Planejamento, o senador Romero Jucá pode voltar?

Temer: Não sei, mas o Dyogo [Oliveira] está acompanhando o trabalho, ele é um técnico que está fazendo direitinho o serviço. Então não vejo razão para mudar a estrutura.

• "Eu não penso em fazer uma reforma ministerial. Ela pode ocorrer, dependendo das circunstâncias, lá na frente"

Valor: Como o senhor pretende participar das eleições de 2018, uma vez que o senhor vai ter uma agenda que não é exatamente muito popular e, obviamente, tem a preocupação de manter sob controle o processo sucessório?

Temer: Participarei à medida que eu possa pregar absoluta tranquilidade no pleito eleitoral, nada mais do que isso. Porque, mesmo nessas eleições municipais, eu não vou poder participar. Você veja que a base de apoio ao governo tem seis partidos novos, que estavam na oposição. Então, eu não posso participar da eleição municipal e, penso eu, também será difícil participar da de 2018.

Valor: O senhor vai organizar esse processo?

Temer: Certamente serei ouvido e consultado, mas não serei o agente indutor dessa ou daquela posição, serei presidente da República.

Valor: O senhor já disse que não será candidato à reeleição. Mas se a economia melhorar, por que o senhor é tão taxativo em dizer que não será candidato?

Temer: Na minha cabeça, não há razão para continuar [na Presidência].

Valor: E quanto às declarações do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, que lançou sua reeleição? Isso não implodiria a sua base?

Temer: Quando li aquilo no jornal, liguei para ele dizendo que iria soltar uma nota, pois aquela declaração é muito complicada para minha base. Ele contou que disse aquilo no fim da entrevista e em um contexto muito mais amplo. E que disse uma coisa verdadeira, que se eu estiver muito bem, é provável que serei o candidato da base.

Valor: O senhor foi pouco enfático, disse que não cogita [a reeleição]. Não cogitar significa que pode vir a cogitar, não?

Temer: Posso ser mais enfático agora. Não sou candidato. Eu quero ter liberdade para tomar todas as medidas necessárias para botar o país nos trilhos. E uma coisa é tomar uma atitude governativa com vistas às eleições, outra coisa é tomar uma atividade governativa sem preocupação eleitoral.

Valor: Como está a sua situação de inelegebilidade depois da decisão da Justiça Eleitoral em São Paulo?

Temer: Aquilo vai mudar. Não estou nem preocupado com isso. "Você vai ser inelegível!" E daí? Para mim tanto faz. E explico para vocês. Durante a campanha eleitoral vários me procuraram, e àquela altura e eu não tinha mais dinheiro para fornecer. E dois deles eram o Darcísio Perondi e o Alceu Moreira, que até, curiosamente, votaram contra mim, porque votaram contra a Dilma. Mas eles falaram "Temer, você é presidente do partido, tem que nos ajudar, estamos com dificuldade". Eu disse "sabe o que vou fazer? Vou doar R$ 50 mil para cada um da minha conta. Doei R$ 100 mil. Só mais tarde, porque isso vai para a Receita Federal, que comunica a Procuradoria Eleitoral, verificaram que eu doei R$ 16 mil a mais do que eu poderia doar. E veio a citação. Na petição eu confessei a ação. O juiz de primeiro grau acolheu a confissão, me condenou a pagar R$ 80 mil, mas a procuradora recorreu ao Tribunal Regional Eleitoral, que confirmou a sentença de primeiro grau. Agora, veja como é a notícia. Confirmou a sentença de primeiro grau. Há uma regra que diz que nessas hipóteses você precisa registrar na ficha que o sujeito é inelegível. Mas há decisões do Tribunal Superior Eleitoral dizendo que essas hipóteses só são consolidáveis se mostrar que foram os R$ 50 mil que eu doei para o Perondi que o elegeu deputado.

Valor: Há uma história de que o governo vai enviar um projeto de lei aumentando o déficit primário deste ano em R$ 25 bilhões. É verdade?

Temer: Nem sei se será necessário, mas isso jamais chegou aos meus ouvidos.

Valor: O que já está decidido sobre privatizações?

Temer: No dia 25 vamos anunciar as empresas que serão desestatizadas. No setor elétrico, tem quatro empresas estaduais, inclusive a de Goiás e a do Amazonas. A Eletrobras não será. Eu pretendo desestatizar muita coisa, porque o Estado brasileiro não pode suportar tudo isso, já não cumpre bem seu papel na saúde, na educação.

Valor: O senhor vai anunciar as privatizações em plena votação do impeachment?

Temer: Isso não altera a concepção de quem vota a favor ou contra.

Valor: E o projeto que retira da Petrobras a participação de 30% nos consórcios?

Temer: É prioridade na Câmara, será aprovado, mas o problema é que as eleições municipais atrapalham as votações.

Valor: O governo também vai acabar com a exigência de conteúdo nacional na exploração do pré-sal?

Temer: Não pretendo acabar por inteiro. Um mínimo de conteúdo nacional, acho útil para a indústria brasileira, mas precisa ver o percentual.

Valor: O que o senhor espera do julgamento das contas eleitorais de sua chapa com Dilma Rousseff no TSE?

Temer: São questões apartadas, o vice e o presidente são instituições separadas no texto constitucional. Embora examinadas conjuntamente, minha conta foi prestada separadamente.

Valor: O noticiário é que o governo não está acompanhando - o Geddel Vieira Lima disse isso explicitamente - o processo de cassação do Eduardo Cunha. É grande assim a certeza que Eduardo Cunha não tem poder de retaliação contra quem não ajudá-lo nesse instante?

Temer: Não há nenhuma preocupação em relação a isso. O governo não pode se meter nisso. Não há nenhuma condição de o governo entrar nessa história, até por que essa é uma decisão exclusiva da Câmara dos Deputados.

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