segunda-feira, 8 de agosto de 2016

Paes, um prefeito bem trapalhão - Ruth de Aquino

• Paes sempre ardeu na tocha das vaidades. Pelo bem do Brasil e dos atletas, desejo toda a sorte a ele

- Revista Época

O sapato furado do prefeito Eduardo Paes, flagrado na entrevista ao jornal O Globo, mostra que ele vem gastando muita sola nas ruas. O prefeito hiperativo do Rio olímpico estava de terno sem gravata, como de hábito, disse estar dormindo só três horas por noite, e pediu trégua. “Não para mim, mas para a cidade.”

A trégua será automática se a Olimpíada transcorrer em relativa paz e com poucas falhas de organização. Não há implicância pessoal com o Rio de Janeiro. Ao contrário. Existe até benevolência. Se fizer sol, então, o carioca e o turista aproveitarão cada minuto de luz, beleza e festa nesse cenário de águas e montanhas. Já é assim no Porto Maravilha, na Praça Mauá, no Museu do Amanhã, no VLT (Veículo Leve sobre Trilhos). São legados positivos de um prefeito que às vezes lembra o comediante Peter Sellers, no filme Um convidado bem trapalhão (The party).



Paes espera ser vaiado na festa de encerramento da Olimpíada 2016. Foi o que disse ao presidente interino, Michel Temer: “Fique tranquilo que o senhor receberá a vaia da largada, e eu recebo a da saída”. Por que tudo mudou tão rápido? Em 2012, Paes foi reeleito no primeiro turno com votação recorde: 64,60% dos votos válidos. Mais de 2 milhões de eleitores renovaram a confiança nele. Era um dos prefeitos mais populares do Brasil. Elogiado pela capacidade de trabalho, pelo amor ao Rio, pela visão de administrador.

“Vou trabalhar muito. Dar a cara a tapa, sem receio de voltar atrás caso tome alguma atitude errada”, disse ao ser reeleito. Trabalhou muito – ninguém nega – e hoje leva tapas a torto e a direito. Pede desculpas a toda hora pela verborragia e por “imprevistos”. A queda da ciclovia, o ápice dessa onda negativa, ele chama de “a cereja ruim do bolo”. Paes foi atropelado pela crise nacional. Seus maiores parceiros eram o “padrinho” Sérgio Cabral e a “presidenta” Dilma Rousseff. Ambos caíram em desgraça, ele ficou sem pai nem mãe.

Paes não cumpriu uma série de promessas de campanha, da habitação popular à educação e saúde públicas. As Clínicas da Família e as UPAs carecem de eficiência, nada de ensino integral, cadê as 50 mil novas casas populares? A plataforma de Paes era incrível! Cultura, lixo, esgoto, produções culturais, UPP social, asfalto liso, iluminação. Não deu. Ele dirá que deu e apresentará números verdadeiros e fantasiosos.

Mas Paes teve a coragem de derrubar aquele viaduto horrendo, o Elevado da Perimetral, e revitalizar a zona portuária – a decadência daquele lugar lindo não fazia jus ao Rio. Nenhum outro prefeito teria peitado a enxurrada de críticas que se seguiu. Nenhum. E hoje fica todo mundo maravilhado com o novo espaço. O BRT – corredor exclusivo dos ônibus – era uma necessidade óbvia e antiga para o transporte no Rio. Óbvia, mas quem fez foi Paes. Então, não dá para achar que tudo foi obra divina.

Sempre foi falastrão e presepeiro. Em 2016 se superou. Seu diálogo gravado com Lula, dizendo que o ex-presidente tinha “alma de pobre” por ter sítio e barquinhos em Atibaia, menosprezando a cidade fluminense de Maricá naquela linguagem de falso malandro carioca, foi uma mancha indelével. Brincadeira de mau gosto, disse. Pediu desculpas, envergonhado. Mas não parou de ser Paes.

Já na pré-Olimpíada, disse que ia botar um canguru pulando para a delegação australiana se sentir em casa. Reagia com uma piadinha inadequada à justa queixa do mau estado dos apartamentos da Vila dos Atletas. Pediu desculpas, deu a chave da cidade para a delegação. Ganhou um canguruzinho de presente.

Disse agora que o Rio “não pode pagar conta de caviar para os outros” – os integrantes do Comitê Olímpico Internacional. O presidente do COI, Thomas Bach, ficou irritado. Brincadeira. Paes ainda não pediu desculpas. Para a surpresa de todos, o prefeito pegou a tocha olímpica e saiu correndo com ela, quebrando a regra internacional que proíbe esse privilégio a políticos no cargo.

Paes sempre ardeu na tocha das vaidades. Durante a campanha de reeleição, em julho de 2012, ao inaugurar a primeira fase das obras da zona portuária, ele chegou a pensar em se fantasiar de Pereira Passos, prefeito do Rio entre 1902 e 1906, responsável pela maior reforma urbana da cidade. Assessores convenceram Paes a desistir da pataquada. Um ator representou Pereira Passos.

Além de vaidoso, teimoso. Talvez pague pela insistência em apoiar Pedro Paulo como seu sucessor na prefeitura do Rio. Não há como engolir toda a história cabulosa das agressões do deputado à ex-mulher. Não engulo.

Desejo a Paes toda a sorte do mundo na Olimpíada. Pelo bem do Rio, do Brasil, dos atletas e dos amantes dos Jogos. O prefeito já disse o que fará depois. “Vou tomar um porre. Vou ouvir samba e beber cerveja.” Cuidado com a ressaca.

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