A luta contra a corrupção deve se pautar pelo respeito à lei. Do contrário, em vez de Justiça, teremos apenas justiçamento, cuja realização se presta somente a aplacar a indignação da gente comum, cria insegurança permanente e serve à demagogia em detrimento da democracia. Assim, é preciso observar com cautela algumas das medidas anticorrupção encaminhadas pelo Ministério Público Federal ao Congresso.
O Estado noticiou que os parlamentares da comissão especial que analisa essas medidas articulam mudanças em quatro pontos, a saber: a criminalização do caixa 2, o aumento da pena por corrupção, a possibilidade de que provas obtidas de forma ilícita sejam consideradas válidas se forem colhidas de boa-fé e a possibilidade de prisão preventiva para recuperar dinheiro desviado.
Não se pode condenar quem veja na movimentação dos deputados alguma tramoia para sabotar a iniciativa saneadora do Ministério Público. Afinal, não seria a primeira vez que parlamentares se utilizam de seus mandatos para criar embaraços a qualquer tentativa de moralizar a política. No entanto, é preciso observar que em ao menos dois dos casos levantados na reportagem os deputados têm alguma razão.
No que diz respeito ao caixa 2, alguns parlamentares se queixam de que o projeto do Ministério Público igualou a doação de recursos não contabilizados ao pagamento de propina. O texto responsabiliza o partido que “utilizar, para fins eleitorais, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal, de fontes de recursos vedadas pela legislação eleitoral ou que não tenham sido contabilizados na forma exigida pela legislação”. O problema é que há vezes em que o partido não tem conhecimento de que a doação eleitoral é oriunda de caixa 2 do doador ou fruto de corrupção, situação em que não se pode falar em crime. O partido pode, sim, receber dinheiro de boa-fé. Também só é possível enquadrar a doação desse tipo de recurso como propina se ficar provado que o partido ofereceu alguma contrapartida a seu financiador.
Esses cuidados são necessários porque muitos empresários pilhados em corrupção pretendem fazer crer que todos os políticos e partidos a quem doaram recursos eleitorais são igualmente corruptos. Sua defesa jurídica e seu anteparo moral é alegar que existe no Brasil um “sistema” em que não é possível fazer negócios sem emporcalhar as mãos – o que é falso.
Outro aspecto das medidas anticorrupção apresentadas pelo Ministério Público que mereceu reparos de parlamentares foi o que exclui a ilicitude de provas quando “o agente público houver obtido a prova de boa-fé ou por erro escusável, assim entendida a existência ou inexistência de circunstância ou fato que o levou a crer que a diligência estava legalmente amparada”. Ou seja, os procuradores querem que a prova seja válida mesmo se tiver sido colhida de forma ilegal, em razão da “boa-fé” de quem a colheu.
Ora, nem é preciso muito esforço para perceber os riscos embutidos em tal proposta. O bom direito não acolhe o argumento da boa-fé na colheita de provas acusatórias de maneira ilegal. Do acusador, dada a gravidade das consequências de seus atos, é exigido mais que boa-fé – dele exige-se completa lisura nas intenções e nos atos. O juiz Sérgio Moro, em audiência na Câmara dos Deputados, defendeu a ideia dos procuradores, dando o exemplo de um policial que “não quis cometer um ilícito ao coletar aquela prova, mas se equivocou de boa-fé”.
O artigo 5.º da Constituição, em seu inciso LVI, diz que “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”. O mesmo artigo classifica como invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra, a imagem, o domicílio e a correspondência dos indivíduos, salvo, neste último caso, com ordem judicial. Logo, não é possível falar em aceitação de prova obtida por meio ilícito sem, com isso, afrontar a Constituição.
Sérgio Moro e os procuradores da Lava Jato estão honestamente empenhados em combater a corrupção no Brasil, e os excelentes resultados até aqui justificam todo o respeito e a admiração que o País lhes dedica. No entanto, a luta contra os parasitas do Estado, por mais justa e popular que seja, só será legítima se resistir à tentação autoritária.
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