sábado, 13 de agosto de 2016

Risco de calote gera prejuízo no BNDES

• Perda de R$ 2,2 bi no semestre é a primeira desde 2003

Banco sofre com rescaldo da Lava-Jato e empresas em recuperação judicial, e eleva reserva para inadimplência em 824%

Pela primeira vez em 13 anos, o BNDES teve prejuízo de R$ 2,2 bilhões no semestre. O resultado foi influenciado pela recuperação judicial de grandes empresas, como a Oi, e pela piora no endividamento de companhias envolvidas na Lava-Jato, como Odebrecht e OAS, que são clientes do BNDES. O banco elevou em 824% suas reservas para o risco de calote, que chegaram a R$ 4,438 bilhões. Para analistas, a nova gestão do banco optou por tornar mais claros esses riscos.

Prejuízo bilionário

• Risco de calote e desvalorização de ações levam BNDES a ter perda de R$ 2,2 bi, a 1ª em 13 anos

Danielle Nogueira - O Globo

O aumento do risco de calote de empresas e a desvalorização de sua carteira de ações levaram o BNDES a ter prejuízo de R$ 2,2 bilhões no semestre, o primeiro em 13 anos, como antecipou a colunista do GLOBO Míriam Leitão no fim do mês passado. Esses fatores fizeram o banco elevar as provisões — a reserva para possíveis perdas futuras — que impactam negativamente o balanço. Analistas já esperavam prejuízo no semestre justamente por essas razões. Nos primeiros seis meses de 2015, o banco havia tido lucro de R$ 3,5 bilhões.

Segundo comunicado do BNDES, as provisões alcançaram R$ 9,6 bilhões de janeiro a junho, alta de 500% em relação ao R$ 1,635 bilhão em igual período de 2015. Para analistas, elas refletem a crise econômica, que afeta a capacidade de pagamento das empresas em geral; a Operação Lava-Jato, que abalou as finanças de importantes clientes do banco, como Odebrecht e OAS, bem como a recente onda de empresas em recuperação judicial, caso da Oi.

— O BNDES sempre foi conservador em sua análise de crédito e nas garantias requeridas. Vínhamos recebendo críticas que, comparado a outros bancos, não vinhamos provisionando tanto dada a característica do momento. No primeiro semestre de 2016, a economia se deteriorou bastante, principalmente pela incerteza afetando a política econômica — diz Vânia Borgerth, superintendente da área de Controladoria do BNDES, em teleconferência.


Reserva para inadimplência sobe 824,5%
O banco não cita empresas específicas, mas dados do balanço mostram que houve impacto da operadora de telefonia, na qual o BNDES detém 4,63%. O valor contábil da tele foi reduzido de R$ 229,5 milhões em junho de 2015, para R$ 73,4 milhões em junho de 2016, queda de 67,9%. Além disso, o BNDES é credor da empresa, com dívida de R$ 3,3 bilhões. A Oi pediu recuperação judicial em junho e teve perda de R$ 2,3 bilhões no primeiro semestre.

Vânia explicou que, quando uma empresa entra em recuperação judicial, o banco é obrigado a provisionar a dívida da empresa no seu balanço, mas ressaltou que é feito um ajuste de acordo com as garantias do empréstimo.

— Muitos bancos têm sido afetados com provisões de empresas que entraram em recuperação judicial. Também é um processo inerente às trocas de gestão. Quem está chegando quer limpar as gavetas, ser precavido — avalia o economista Antonio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP.

As provisões são feitas quando um banco ou empresa tem de reconhecer em seu balanço a possibilidade de perdas, mesmo que elas não se concretizem no futuro. Elas têm efeito, portanto, puramente contábil, sem comprometimento do caixa da instituição. No caso do BNDES, isso foi feito basicamente por duas razões. Uma delas é o chamado impairment ou baixa contábil.

O banco é acionista de empresas por meio de seu braço de participações, a BNDESPar. Quando as ações de uma empresa caem ou se prevê que o valor dos papéis será menor no momento de uma possível venda futura, é necessário fazer um ajuste no valor contábil. Foi o que aconteceu com a Oi. Desde 2015, a grande vilã vinha sendo a Petrobras. As provisões do banco para baixas contábeis somaram R$ 5,150 bilhões no semestre, ante R$ 1,2 bilhão nos primeiros seis meses de 2015.

A outra razão para as provisões foi a revisão do rating (nota de crédito) das empresas. A despesa com provisão para risco de calote cresceu 824% e atingiu R$ 4,438 bilhões no primeiro semestre do ano — no mesmo período de 2015, havia sido de R$ 480 milhões. Segundo o banco, isso reflete “o cenário econômico brasileiro desfavorável nos primeiros seis meses do ano”.

— Por um lado, as provisões refletem exposição exagerada a certas companhias. São resultantes de erros passados. Por outro lado, a economia está frágil, e isso afeta a saúde financeira das empresas. A Lava-Jato pesou no resultado, uma vez que vários consórcios de projetos de infraestrutura têm como sócias construtoras (investigadas pela Polícia Federal) — afirma Claudio Frischtak, da consultoria Inter B, para quem não deve haver novos prejuízos dessa magnitude nos próximos semestres, pois “os ajustes mais fortes” já foram feitos.

‘Menor apetite por crédito para investimento’
O índice de inadimplência, considerando atraso de 30 dias, alcançou 1,38% em 30 de junho. Um salto de 2.660% em relação à taxa de 0,05% em junho de 2015 e superior ao registrado em dezembro de 2015 (0,02%). Ainda assim, é considerado baixo. No sistema financeiro, a taxa média é de 3,5%, considerando atrasos de 90 dias.

O diretor de Controladoria do BNDES, Ricardo Baldin, disse que a alta da inadimplência atingiu grandes clientes, mas afirmou que espera que a situação se estabilize, porque o governo analisa programas para ajudar empresas a vender ativos.

O resultado foi parcialmente compensado pelos ganhos obtidos com as operações de crédito do BNDES, principal fonte de receita do banco. Elas alcançaram R$ 12,235 bilhões nos primeiros seis meses, aumento de 25,2% em relação a igual período de 2015 e de 17,7% na comparação com o segundo semestre do ano passado. De acordo com o BNDES, isso se deveu à combinação de dois fatores: volume elevado de amortizações dos financiamentos concedidos, sem que, em paralelo, houvesse aumento de desembolsos — estes caíram 42% no semestre. Os recursos não aplicados na carteira de crédito foram migrados para a carteira de tesouraria. Na prática, a menor demanda por empréstimos fez sobrar caixa, e o dinheiro foi aplicado em títulos.

— Há menor apetite por crédito para investimento, o que fez a carteira desacelerar — diz João Augusto Salles, da consultoria Lopes Filho.

O último prejuízo semestral do BNDES foi entre janeiro e junho de 2003, de R$ 2,4 bilhões. O reconhecimento do risco de perdas em financiamentos que vinham sendo “rolados” foi o principal impacto, com destaque para a provisão para a americana AES, controladora da Eletropaulo.

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