domingo, 14 de agosto de 2016

Salto no escuro – Editorial / Folha de S. Paulo

Encerra-se nesta segunda-feira (15) o prazo para que partidos políticos e coligações registrem seus candidatos a prefeito, vice-prefeito e vereador. No dia seguinte terá início a campanha para as eleições municipais, quando pela primeira vez será testada a proibição à doação de empresas.

Imposta antes pelo Supremo Tribunal Federal e depois sacramentada em lei pelo Congresso, a restrição faz parte de um conjunto de novas regras que têm suscitado considerável controvérsia.

Ponto mais polêmico do pacote, o veto ao dinheiro empresarial desperta preocupação mesmo entre pessoas que o defendem, como Nicolao Dino, vice-procurador-geral eleitoral. Para ele, a medida pode levar à ampliação do caixa dois.

Raciocínio semelhante faz Susan Rose-Ackerman, americana referência em pesquisas sobre corrupção. "Tenho a preocupação de que proibições absolutas a doações corporativas vão simplesmente produzir um aumento em pagamentos que serão corruptos", afirmou em entrevista a esta Folha.


Faz sentido. Dadas as dimensões das maiores cidades brasileiras e o modelo eleitoral do país, a necessidade de financiamento das campanhas não desaparecerá por força de um ato legislativo. Embora no mundo ideal a canetada pareça moralizadora, na realidade política ela deve gerar efeitos colaterais.

Um deles é a presumível maior proporção de recursos empresariais por baixo dos panos. Outro, mais grave, é o aumento do peso relativo de fontes ilícitas. Membros do Ministério Público Eleitoral consideram grande a chance de o crime organizado atuar na arrecadação ilegal para campanhas.

Somado a duas outras regras novas —a diminuição do período de campanha, de 90 para 45 dias, e do horário eleitoral na TV, de 45 para 35—, o aperto no financiamento tende a favorecer tipos específicos de candidato: os que já têm mandato, os ricos (não há limite ao uso de dinheiro próprio), celebridades e os apoiados por máquinas governamentais, igrejas e sindicatos.

Não surpreende que diversos especialistas e políticos já deem como certa uma reforma desse pacote legislativo —que, nessa hipótese, terá sido testado pela primeira e última vez neste ano.

Ao discorrer sobre o assunto, o ministro Gilmar Mendes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, afirmou que o país deu um salto no escuro ao vetar doação privada sem alterar o sistema eleitoral.

Tem razão o ministro. Em vez de fazerem da eleição um laboratório, os congressistas deveriam votar uma cláusula de desempenho e o fim das coligações em disputa para deputado e vereador —medidas capazes de corrigir um defeito central do modelo brasileiro: o número excessivo de partidos.

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