quinta-feira, 18 de agosto de 2016

Trabalho dá sinais de desalento no Nordeste

Por Camilla Veras Mota – Valor Econômico

SÃO PAULO - A recessão vem se manifestando sobre o mercado de trabalho no Nordeste não apenas na taxa de desemprego, que saltou de 10,3% entre abril e junho do ano passado para 13,2% no mesmo período deste ano. Em 2016, a região tem experimentado ainda dois sintomas do desalento, fenômeno que ocorre quando as condições econômicas desestimulam os trabalhadores a buscar uma colocação no mercado: a redução da sua força de trabalho, a primeira dos últimos dois anos, e o aumento da inatividade.

No primeiro semestre, o total de trabalhadores ativos caiu 0,4% sobre o mesmo intervalo do ano passado, como mostra a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, contra uma alta de 1,8% na média do país e um avanço de 2,8% no Sudeste, local onde a procura por vagas mais acelerou. Na mesma comparação, o número de nordestinos fora do mercado de trabalho cresceu 3,5%, totalizando 19,6 milhões, quase 44% do total de pessoas na região em idade para trabalhar - acima de 14 anos, conforme o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O quadro é típico dos ciclos de crise como o atual, avalia José Marcio Camargo, economista da Opus Gestão de Recursos e professor da PUC-Rio. A taxa de participação no mercado de trabalho chega a crescer em um primeiro momento, quando o aumento do desemprego estimula as famílias a buscar uma vaga para contribuir com o orçamento doméstico. À medida em que esse tempo de procura aumenta, contudo, a tendência é que um número crescente de trabalhadores desista de se manter no mercado. "Qual é o custo de ficar desempregado? O preço é o salário e, no Nordeste, ele continua diminuindo", ele completa.

Em Fortaleza, o período médio de reinserção de quem perdeu o emprego cresceu de 5 meses no ano passado para 7 meses, afirma Erle Mesquita, do Instituto de Desenvolvimento do Trabalho (IDT), que acompanha os indicadores na capital cearense. "Esse período já é superior à vigência do seguro-desemprego", ele observa. O coordenador de estudos e análises de mercado de trabalho do IDT ressalta que, até 2014, o país, incluindo o Nordeste, experimentaram um aumento "positivo" da inatividade, ligado às condições favoráveis da economia, que permitiu que muitos jovens se dedicassem apenas aos estudos, por exemplo, em vez de conciliar escola e trabalho.

"Agora há uma mudança de perfil", ele destaca, fazendo referência ao aumento do desalento e dos trabalhadores "alijados" do mercado. Nesse sentido, há uma preocupação maior com as mulheres. "Isso pode levar a uma piora nas condições de trabalho. Muitas lutaram para entrar no mercado e agora estão saindo rapidamente". No primeiro semestre, a ocupação entre as mulheres retraiu no Nordeste 4,3% sobre o primeiro semestre de 2015, mais do que a média total, de 3,8%.

O economista da Modal Asset Daniel Silva chama atenção para a forte deterioração dos demais indicadores de emprego da região, entre eles a ocupação e a massa de rendimentos, que recuou 6,3% no trimestre até junho e expressivos 6,6% no primeiro semestre, em termos reais. "E o quadro pode piorar até o fim do ano", pondera, diante da expectativa de aumento do desemprego a pelo menos 12%. Até junho, a taxa está em 11,3%.

"O Nordeste, por ser mais dependente dos recursos federais, vem sofrendo mais com a crise", diagnostica Alexandre Rands, sócio do Datametrica, consultoria baseada no Recife. Em sua avaliação, o ritmo mais intenso de piora tende a se prolongar, já que o atual governo interino sinaliza uma gestão que busca maior "eficiência econômica". "Mas o governo vem tentando se reconciliar com o Nordeste", ele acrescenta, lembrando da recente repactuação dos projetos da ferrovia Transnordestina e da transposição do rio São Francisco, além da retomada das obras do programa Minha Casa, Minha Vida.

Segue pendente, contudo, a polêmica da renegociação da dívida dos Estados. Com 13% do PIB do país e 4% da dívida com a União, os governadores do Nordeste, que devem usufruir pouco do acordo que aumenta o prazo para pagamento e a suspensão por dois anos das parcelas, vêm pedindo auxílio de R$ 14 bilhões ao governo federal.

Camargo, da Opus, ressalta que a deterioração do mercado de trabalho, em maior ou menor grau, tem sido observada em todas regiões. Os dados da Pnad Contínua divulgados ontem mostram números negativos de ocupação e renda em todas as localidades. Assim, a expectativa é que o quadro observado hoje no Nordeste, com queda na taxa de atividade, se reproduza eventualmente no restante do país.

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