terça-feira, 30 de agosto de 2016

Um olho nos livros e outro também - Alan Gripp

- O Globo

Dilma Vana Rousseff fez ontem provavelmente o seu último discurso como presidente do Brasil. Em 45 minutos, adotou um tom emocional e deixou em segundo plano argumentos técnicos, feito extraordinário para ela. A simples presença de Dilma no púlpito do Senado deu ao 29 de agosto de 2016 um caráter histórico. Serviu para os livros, mas dificilmente vai alterar o panorama na votação de hoje.

Com Lula e Chico Buarque impassíveis nas galerias do Senado, por vezes com os olhares perdidos, Dilma usou o discurso do “golpe” em pelo menos cinco momentos, comparou outras vezes o impeachment com a perseguição sofrida por ela na ditadura e buscou desqualificar os adversários à frente do impeachment, fitando alguns deles, sentados à sua frente, como o tucano Aécio Neves.

Foi séria e dura na maior parte do tempo. Emocionou-se somente ao mencionar a tortura sofrida durante o regime militar e o câncer linfático, diagnosticado em 2009. Admitiu erros apenas uma vez, de forma tímida, quase protocolar, e, ainda sim, para iniciar o raciocínio de que é vítima de perseguição.


Um dos poucos argumentos novos apresentados por ela foi a afirmação de que o governo Temer, se efetivado, representa ameaça às conquistas sociais da era PT. Para isso, Dilma valeu-se ora de erros concretos da administração interina, ora de especulações.

Disse, por exemplo, que a atual composição ministerial mostra que estão comprometidos direitos de mulheres, negros e homossexuais. Citou a proposta de criação do teto para gastos, que, em sua visão, fechará escolas e hospitais. E até a proibição hipotética para trabalhadores de saques do FGTS, tirada não se sabe bem de onde.

Dilma tentou reescrever a história ao dizer que o impeachment só foi aberto porque ela se recusou a ceder às chantagens de Eduardo Cunha, que lutava para arquivar o processo contra ele no Conselho de Ética. Como se sabe, Cunha abriu o impeachment num ato de vingança, mas o governo, ao contrário do que diz ela, tentou até o último instante trocar os votos petistas no conselho pelo arquivamento do impeachment. Escalou para a missão o então chefe da Casa Civil, Jaques Wagner. Ou seja, Dilma jogou o jogo da chantagem. E perdeu.

Em resumo, no último ato, Dilma repetiu argumentos exaustivamente apresentados, dos mais honestos àqueles que distorcem fatos em prol de uma narrativa. E, por isso, parece improvável que tenham efeito diferente do que tiveram até agora.

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