sexta-feira, 2 de setembro de 2016

As reformas de Temer - Claudia Safatle

• Previdência e gasto público são dois "icebergs" à frente

- Valor Econômico

O governo de Michel Temer já definiu onde centrará esforços para recolocar a economia brasileira nos trilhos. Além da Proposta de Emenda Constitucional 241, a PEC do teto do gasto público - que é a base de um novo regime fiscal - e da reforma da Previdência Social, serão tocadas também a flexibilização do mercado de trabalho, as duas grandes mudanças tributárias (do ICMS e PIS/Cofins) e a reforma eleitoral, disse o ministro-chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, a esta coluna. Ele é encarregado de coordenar o programa de reformas estruturais.

Temer tem na sua agenda uma outra tarefa: melhorar a segurança jurídica do país. Há uma imensa liquidez no mercado internacional, mas para o país se habilitar a novos investimentos externos é preciso tratar da segurança jurídica dos contratos, disse o ministro.

Nessa área, a primeira frente de trabalho é junto às agências reguladoras, instâncias que foram maltratadas nos governos do PT e que, agora, devem passar por uma reconstrução de funções.


Na Previdência, algumas mudanças já estão definidas. A idade mínima para o trabalhador pleitear a aposentadoria será de 65 anos, com dois tratamentos especiais sugeridos pelo presidente da República: para as mulheres e para os professores. Ambos terão um periodo de transição maior do sistema atual para o novo regime, provavelmente de seis a oito anos a mais.

Outro aspecto espinhoso da reforma da Previdência ainda está em discussão: os trabalhadores rurais. Atualmente eles contribuem com 2% da arrecadação e absorvem 26% dos benefícios. Devem passar a recolher contribuições sobre o faturamento.

A flexibilização do mercado de trabalho vai se chamar "Programa de Garantia e Geração de Empregos". O governo quer abrir espaço para que os acordos trabalhistas possam ter precedência sobre a legislação, desde que não comprometam direitos já estabelecidos como férias e 13º salário. Padilha disse que uma das propostas dos empregadores é poder dividir as férias em três ou quatro vezes, para que não seja preciso contratar mão de obra temporária. Outra é a redução da jornada de trabalho com correspondente redução de salários. São medidas que poderiam evitar demissões.

Um segundo ponto da flexibilização do mercado de trabalho é a terceirização, que será chamada de "especialização". O projeto que regula a terceirização está dependendo apenas de mais uma votação no Senado para virar lei. Pode não ser o ideal, disse o ministro, mas é o que foi possível votar na Câmara depois de uma "batalha campal".

Temer também elegeu a unificação de alíquotas do ICMS e a simplificação do PIS/Cofins como prioridades no leque de mudanças que pretende levar adiante nos dois anos e quatro meses de gestão que tem pela frente.

Haverá empenho, também, na reforma eleitoral para reduzir o número de partidos políticos. O governo vai investir na aprovação de uma emenda constitucional já em tramitação no Congresso que proíbe as coligações proporcionais e cria cláusula de barreira para os partidos. Com isso, Padilha acredita que dos 35 partidos hoje registrados no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) restarão entre 8 e 10 legendas.

Há, ainda, a ideia de melhorar a gestão mediante a criação do governo "virtual". Hoje a administração federal tem 200 bases de dados mas uma nunca falou com a outra. Não se sabe, portanto, se quem recebe aposentadoria pelo INSS está, também, recebendo Bolsa Família, por exemplo. Através de convênio para usar o banco de dados do TSE, o governo espera poder cruzar informações. Já se sabe, por exemplo, que em Brasília há 45 mil pescadores registrados que recebem o seguro-defeso. A cidade tem o lago Paranoá, que não é pródigo em peixes.

Os dois pilares da política fiscal são a PEC 241, que congela a despesa pública em valores reais por até 20 anos, e a reforma da Previdência, sem a qual a primeira não sobrevive. "Esses são os dois icebergs que temos pela frente", disse Padilha.

A insegurança jurídica pode não ser tão desastrosa quanto o destino do Titanic ao bater em um iceberg, mas é um elemento de risco para os investimentos. E ela não se restringe ao Executivo. Basta ver que o Supremo Tribunal Federal colocou em dúvida a correção da usual cobrança de juros compostos.

"O foco da PEC 241 é o crescimento insustentável da despesa agregada. E, portanto, não se pode perder de vista a solução para o crescimento explosivo da despesa da Previdência", salientou o secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda, Carlos Hamilton. "Sem as duas, tudo o mais será construído em terreno pantanoso", completou ele. A expectativa do governo é que o teto para o gasto seja aprovado pelo Congresso neste ano.

Desde 1991 o gasto do setor público cresce acima da expansão do Produto Interno Bruto (PIB). O processo chegou à exaustão. Com os governos estaduais a situação não é diferente. "Temos hoje 20 Estados inviáveis e os outros 7 ficarão inviáveis nos próximos três anos", disse Padilha.

"O que estamos propondo é a preservação do Estado como prestador de serviços. Se ele consumir todos os recursos com ele próprio, não prestará serviço algum", enfatizou o ministro.

As corporações se apoderaram do Estado brasileiro e o Congresso tem grande dificuldade de enfrentar essa realidade. Os parlamentares são sensíveis às pressões por aumento de salários, sobretudo se vierem do Poder Judiciário.

O governo está conversando com as partes envolvidas nas reformas. Só com as centrais sindicais já foram mais de dez reuniões de maio para cá. Não vai, no entanto, esperar por um consenso imaginário para começar a enviar os projetos para o Congresso. A ideia é usar todos os recursos da mídia para falar com a população.

"A PEC do gasto talvez seja o grande mérito deste governo. Se conseguirmos a sua aprovação, o Brasil será um país desenvolvido ou muito próximo disso em 20 anos", acredita o chefe da Casa Civil.

Sem ela (ou algo semelhante) a inflação continuará alta, a taxa de juros não cairá e o país estará condenado à estagnação.

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