terça-feira, 6 de setembro de 2016

Balanço de uma época – Editorial / Folha de S. Paulo

O clima de exaltação ideológica que acompanhou o impeachment diminui a receptividade a eventuais esforços para avaliar com equilíbrio o significado de 13 anos do PT no Planalto.

A atitude dos que se frustraram com o afastamento da presidente Dilma Rousseff, tanto quanto a dos que o comemoram, traz consigo o risco de dissolver a diferença entre o que houve de específico na era petista e o que, para o bem ou para o mal, é característico do sistema social e político brasileiro.

A estratégia de vitimização, de que faz largo uso a militância petista, tem sua contrapartida no enfoque demonizador a que se entregaram muitos de seus adversários.

Não nasceram com o PT as práticas da corrupção e do aparelhamento do Estado —ainda que, sob Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, estas se tenham verificado com a voracidade dos que chegaram tarde ao banquete e com a desfaçatez de quem se considerava autorizado a tudo por seus ideais.

Não foi o petismo o único protagonista da derrocada moral de que se beneficiaram, nos Estados, nos municípios e no próprio âmbito federal, também os partidos que se coligaram pelo impeachment.

Não surgiu sob a Presidência de um operário, por outro lado, a preocupação em combater a miséria e em ampliar o acesso dos pobres à saúde e à educação. Mas é fato que o período petista marcou-se por uma aceleração, uma certa intensificação da dinâmica social.

Inflaram-se as expectativas de que o Brasil passaria a figurar rapidamente entre as grandes potências, ao mesmo tempo em que ficaram intocadas, e mais agudas, as razões para isso deixar de ocorrer.

Reviveu-se com Lula a prática populista de atribuir à vontade de um líder providencial a luta contra as desigualdades sociais. Evitaram-se, por isso mesmo, quaisquer esforços reais de reforma política, diminuição da burocracia e modernização econômica —a qual passa por um empenho privatizador que constitui anátema para o PT.

Deixaram-se de lado, pelas mesmas razões ideológicas, quaisquer iniciativas de conferir mais racionalidade aos gastos do governo.

Se o controle da inflação e certa disciplina orçamentária foram obtidos nos primeiros anos do lulismo, e se as políticas anticíclicas foram de início adequadas para enfrentar o pior da crise de 2008/09, Lula e Dilma pecaram por tentar prolongar o ciclo de prosperidade —com finalidade eleitoral— quando ele já dava sinais de fadiga.

Após o pleito de 2014, o ajuste se provou incontornável, mas o custo desnecessariamente inflado de amargas medidas de austeridade já ultrapassava o que a frágil coalizão de apoio a Dilma Rousseff e seu próprio partido podiam assimilar.

A era petista termina, levando consigo um sistema exausto de falsidades doutrinárias, arrogância, maniqueísmo e irresponsabilidade econômica. Não terminam, porém, o patrimonialismo, a burocracia, a corrupção, o apadrinhamento e o arcaísmo político com o qual o país convive há séculos.

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