domingo, 25 de setembro de 2016

Entrevista. FHC: Lula vive momento delicado, não jogarei pedra

• 'Desastre' na economia dificulta nome do governo para 2018, afirma Cardoso

Com quadro atual, Meirelles não será o 'FHC de Temer', diz o próprio FHC

Daniela Lima – Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) faz um diagnóstico pessimista a quem pretende usar a gestão de Michel Temer para se projetar e recolher dividendos nas eleições de 2018.

"Não vejo que o governo tenha como tirar proveito [eleitoral] dessa situação em dois anos", disse, em entrevista à Folha.

Nem o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, poderia se projetar organizando a economia e repetindo fórmula lançada pelo próprio FHC, em 1993, ao assumir a pasta durante o tormentoso governo de Itamar Franco?

"Não creio. E não é que haja uma diferença entre mim e Meirelles. É a situação." Para o tucano, mesmo que o ministro consiga sensibilizar a sociedade, ele só irá expor "sangue, suor e lágrimas".

FHC diz que Temer precisa olhar apenas para a história e vê fadiga de material na política. Instado a citar um líder, não achou ninguém.

• Folha - O PSDB se tornou "censor" do governo?
Fernando Henrique Cardoso - O que o PSDB fez? Uma vez que não tinha alternativa senão apoiar o impeachment –era óbvio que era inevitável–, teve que assumir uma responsabilidade. Acho que fez bem ao condicionar isso a que o governo atue [segundo uma agenda].

• Mas isso não faz Temer refém?
Se o PSDB não tivesse essa posição, o presidente também não teria como resistir às demandas clientelistas. Temer tem noção de seu momento histórico. Tem que fazer coisas que não são populares, tomar decisões que podem não agradar, sobretudo às corporações.
O desafio é chegar ao outro lado, 2018. Mas só vai chegar se tivermos um horizonte de esperança.

• Vê espaço para um levante no qual os insatisfeitos com o impeachment se somem aos afetados pela crise, aos descontentes com as reformas...?
Os assolados pela crise ainda não se manifestaram. Quem esteve na rua antes foi outro tipo de gente e quem está agora é militância. Com essa grande massa não houve conexão. Pode haver? Pode. É perigoso? É.

• Há como evitar isso?
Tem que conversar o tempo todo com a sociedade. Dizer que é em nome de um país mais equânime, com menos privilégios. Não pode descer goela abaixo as medidas de austeridade.
É preciso insistir em valores que não são do mercado, são das pessoas. Se não explicar que a tragédia deriva dos erros do governo anterior, vai cair na cabeça dele. Já, já o PT vai começar a gritar que é culpa do Temer.

• E Temer nessa equação?
O presidente sabe que o poder caiu na mão dele num momento difícil. Ele nunca foi um líder popular. Não se pode pedir à pessoa que seja o que ela não é, nunca foi. Temos que pedir que pense na história. Se fizer isso, mesmo sem popularidade, está feito historicamente.

• Meirelles pode ser uma espécie de FHC para Temer?
Não creio. E não é que haja diferença entre mim e Meirelles. É a situação. Naquela época [governo Itamar], o problema mais aflitivo era a inflação. Acertamos em parte no equilíbrio fiscal, ela foi barrada e o bem-estar veio de imediato.

Hoje, a situação é de tal gravidade que será preciso ter continuidade durante anos para restabelecer a confiança não só nacional, mas internacional, no funcionamento da economia. E isso não vai dar bônus.

• Ele não repetirá o milagre?
Não fiz milagre. O objetivo estava mais próximo. Hoje, longínquo. Não o conheço o suficiente para saber se ele é capaz de se expor de uma maneira que motive as pessoas... Não basta ser racional. É preciso mais.

E, ainda que ele seja, vai expor o que? Sangue, suor e lágrimas. Melhor não pensar em beneficiário. Ou pensa em termos históricos, ou vai ter desilusão.

• Vale para todos no governo?
Não vejo que o governo tenha como tirar proveito dessa situação em dois anos. O desastre foi muito grande. Foram desmontados os pilares da economia. O horizonte–se houver–, virá depois de 2018, se tivermos sorte de encontrar líderes. Nem digo do meu, de qualquer partido...

• Nem sequer faz questão que seja de seu partido?
Prefiro que seja, óbvio, mas o importante é ter alguém.

• Vê esse alguém?
Aqui? [Silêncio] Se tivesse, estava resolvida a questão.

• Folha - O sr. assistiu ao julgamento de Dilma Rousseff?
Eu a vi falando. Acho que se defendeu bravamente, como podia. Foi até mais clara no falar do que é geralmente.

O problema é que não querem enfrentar a realidade. Apesar de todos os floreios para evitar a questão central, houve efetivamente arranhões à Constituição. Houve emissão de despesa sem autorização do Congresso.

• Durante algum tempo o sr. não teve segurança de que era o suficiente...
Não. Foi o mesmo com o [Fernando] Collor. O impeachment é sempre traumático, tirar alguém que foi votado. E, enquanto a população não se convence de que esse alguém esgotou sua chance...
Fiz o mesmo com o Collor, custei muito a aceitar. Sempre achei que Dilma, pessoalmente, não se meteu em tramoia. Agora, se ela tem ou não responsabilidade nas tramoias, responsabilidade política, já é outra coisa.

• O que achou da decisão de fatiar o julgamento de Dilma?
Visivelmente contra a Constituição. Não sei como o Supremo vai descalçar essa bota. [Acho que] Não vai. Vai dizer que é soberania do Senado.

Mas o ministro do Supremo [Ricardo Lewandowski] não teve nem o cuidado de submeter ao Congresso a questão. O que é isso? É um pouco do espírito de conciliação brasileiro. Um "jeitinho".

• E a denúncia do ex-presidente Lula? Assistiu?
Vi partes. O Ministério Público, ao tentar mostrar que o Lula era o responsável maior, obscureceu a outra questão, que é a mais importante: houve ou não crime de favorecimento pessoal?

Se ele foi o responsável maior, não é ponto de partida, é ponto de chegada. Isso não diminui a necessidade de responder a outro quesito: houve desvio de finalidade dos recursos?

• Antes, o sr. havia se recusado a falar sobre o assunto...
Disse que preferia não entrar no assunto. Ele vive um momento delicado, e não acho que corresponda a mim, que fui presidente e o conheço de outras épocas, agravar. Isso, agora, é a Justiça quem vai ter que decidir. Não quero jogar pedra no Lula.

• Há tensão entre diversas instituições: Judiciário, Congresso, Ministério Público. É possível uma crise institucional?
Não creio. O problema que temos é o seguinte: Será que o nosso arranjo –Executivo, Congresso, Judiciário, Ministério Público– está funcionando?

Após 1988 metade dos eleitos sofreu impeachment, e, saltando o regime militar, só [Eurico] Dutra e Juscelino [Kubitschek] escaparam de um final tormentoso. Tem algo inquietante.

O Congresso tem muita força. A Constituição é quase parlamentarista. Por quê? Porque ela era quando foi escrita. Depois, quando foi derrotada a emenda, não houve rebalanceamento.

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