sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Lula faz defesa política e convoca a militância

‘Provem uma corrupção minha que irei a pé para ser preso’

Ex-presidente se diz perseguido pelos ‘meninos’ de Curitiba, chora duas vezes, mas não rebate as evidências de que foi beneficiado por empreiteira no caso do tríplex em Guarujá

Denunciado à Justiça no caso do tríplex em Guarujá e acusado de chefiar uma “propinocracia”, o ex-presidente Lula fez ontem uma defesa política, na qual se disse perseguido pelos “meninos” da Lava-Jato, e conclamou a militância petista a sair às ruas. “Provem uma corrupção minha que irei a pé para ser preso”, disse, num pronunciamento em que chorou duas vezes. Lula, porém, não rebateu as evidências de que foi beneficiado por empreiteiras.

Reação política e desafio

• Sem rebater evidências listadas pelo MP, Lula diz que irá ‘a pé’ para prisão, se provarem sua culpa

Sérgio Roxo e Silvia Amorim - O Globo

-SÃO PAULO- Após ser denunciado por corrupção e lavagem de dinheiro na Operação Lava-Jato, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva fez ontem um discurso em que a defesa política substituiu argumentos contra as acusações de que foi beneficiado com mais de R$ 3 milhões em propina da OAS. Ao lado de outros líderes petistas, beijou a estrela do PT na camisa vermelha, chorou duas vezes, defendeu seu legado e procurou desqualificar o trabalho da força-tarefa do Ministério Público Federal. Num dos momentos mais contundentes, desafiou os investigadores:

— Provem uma corrupção minha que irei a pé para ser preso.

Num discurso de mais de uma hora, Lula tratou de “meninos” os procuradores, ao mesmo tempo em que citou passagens sofridas de sua infância na pobreza. Em sua primeira manifestação pública após a apresentação da denúncia, durante reunião do Diretório Nacional do PT, Lula afirmou estar “orgulhoso” em saber que a perseguição, segundo ele, deve-se às coisas boas que diz ter feito.

— Eles (os procuradores) têm que aprender que a única coisa que tenho orgulho é que conquistei direito de andar de cabeça erguida neste país — afirmou, interrompendo sua fala por causa do choro.

Citações a Tiradentes, JK e Getúlio
O ex-presidente novamente se colocou como vítima de uma perseguição política e fez um paralelo entre as denúncias contra ele e os problemas enfrentados por personalidades históricas, como Tiradentes, Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, João Goulart e Leonel Brizola. Em outro momento, chegou a se comparar a Jesus Cristo:

— Estou falando como cidadão indignado. Tenho história pública conhecida. Só ganha de mim aqui no Brasil Jesus Cristo — disse o ex-presidente, que reconheceu em outro momento que “nunca pensou que passaria por isso”.

Preocupado em não demonstrar abatimento para não desanimar os petistas, também afirmou que, diante da sua trajetória de vida, não tinha por que ficar triste com a denúncia:

— Não tenho espaço para ficar triste. Sei o que é domingo de manhã de chuva com cinco irmãos, na Vila São José (região carente de São Paulo), esperando hora do almoço, sem ter um bocado de feijão para colocar no fogo — disse, chorando mais uma vez.

Em seguida, pediu aos procuradores que busquem outra pessoa para “criar problema”:

— Quero dizer às pessoas sérias do Ministério Público, Polícia Federal e Justiça que eu estou à inteira disposição. Ninguém está acima da lei. Mas procurem outro para criar problema.

Em alguns momentos do seu discurso, militantes gritaram “Lula, guerreiro do povo brasileiro!”. O ex-presidente também pediu que respeitassem a família dele e sua mulher, Marisa, também alvo da denúncia:

— Quer me investigar, me investiga quem. Quer prestar depoimento, me chame. Só quero que sejam honestos comigo, respeitem a dona Marisa. Não conheço parentes deles, mas, certamente, não são melhor que dona Marisa.

Lula chamou de “pirotecnia” a apresentação da denúncia:

— Não quero me comportar como um cara perseguido ou que quer favor — afirmou Lula.

O discurso teve espaço também para citações à criação do PT e à trajetória do ex-presidente, desde os seus tempos de sindicalista. Lula se disse orgulhoso de ter criado “o mais importante partido de esquerda da América Latina”:

— Os que nos atacam hoje nos chamavam de comunistas, sectários e bando de malucos (...) Eu era o bagre da história, o lambari — disse, ao relembrar o contexto da sua candidatura à Presidência em 1989.

Ao mencionar o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, Lula afirmou que a votação inicial Câmara ocorreu em “uma noite da hipocrisia e vergonha”:

— Inventaram uma mentira e tornaram essa mentira como verdade aos olhos da opinião pública, e fizeram uma noite que o Brasil nunca esquecerá, noite da hipocrisia e vergonha.

Depois de falar, Lula foi para a rua diante do hotel. Lá, um pequeno grupo de simpatizantes do partido se reunia para, ao lado do prefeito de São Paulo, Fernando Haddad, cumprimentar os petistas que estavam no local e posar para fotos.

Apesar das denúncias, o ex-ministro Jaques Wagner propôs ontem que Lula assuma a presidência do PT, uma vez que já exerce um comando paralelo do partido. A ideia já foi rechaçada pelo ex-presidente, preocupado em não tornar o partido vulnerável, diante das acusações contra ele.

O Diretório Nacional do PT divulgou nota acusando o coordenador da força-tarefa da Lava-Jato, Deltan Dallagnol, de protagonizar “grotesco espetáculo midiático”, atuando como “saltitante porta-bandeira da malta antipetista”.

Representação contra Força-Tarefa
Os advogados de Lula apresentaram ontem representação no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) contra os procuradores da força-tarefa da Lava-Jato. Eles argumentam que os representantes do Ministério Público Federal usaram recursos públicos para dar entrevista num hotel de Curitiba, na qual trataram de um assunto que não estaria entre suas atribuições. Para os defensores de Lula, a investigação sobre a organização criminosa que agia na Petrobras é de responsabilidade do Supremo Tribunal Federal (STF).

— Cometeram, na nossa opinião, um grave desvio funcional. Realizaram uma coletiva, com recursos públicos, apenas para enxovalhar a honra e reputação do ex-presidente Lula e da dona Marisa — afirmou o advogado Cristiano Martins Zanin.

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