sexta-feira, 16 de setembro de 2016

Lula foi Lula - Eliane Cantanhêde

- O Estado de S. Paulo

Lula foi Lula ontem, ao fazer seu pronunciamento de mais de uma hora para “responder” aos procuradores da Lava Jato. Ele não “respondeu” nada, nem se ateve às questões objetivas e à acusação de que seria o “comandante máximo”, o “grande general”, o “chefe” e o “maestro” do esquema de corrupção. Limitou-se a negar, pela enésima vez, que é dono do triplex do Guarujá e fez o que faz de melhor: um discurso político, emocional, com direito a lágrimas, em que lembrou toda a sua vida e enfatizou os êxitos dos seus governos.

Não estava se dirigindo aos procuradores Deltan Dallagnol e Roberson Henrique Pozzobom, nem rebatendo as 149 páginas da denúncia, nem questionando a acusação de que teria recebido R$ 3,7 milhões da OAS, uma das empreiteiras da Lava jato. Ele estava falando para o PT, para os militantes, para os que estão com ele e com o partido faça chuva ou faça sol, com ou sem Lava Jato. Exibindo uma camisa vermelho-sangue, Lula terminou sua fala conclamando a militância para usar (ou resgatar?) o vermelho e a estrela do partido.

O próprio pronunciamento foi num ambiente mais do que acolhedor para Lula: durante reunião do Diretório Nacional do PT, cercado pela cúpula do partido, pelos senadores Paulo Rocha, Lindbergh Farias e Gleisi Hoffmann e velhos companheiros como o embaixador aposentado Samuel Pinheiro Guimarães. Quem ouviu pelo rádio ficou em dúvida: estariam os jornalistas aplaudindo Lula? Não, eram os fiéis seguidores.

Ao final, Lula se recusou a dar entrevista. Em vez de se expor a perguntas sempre questionadoras e não raro incômodas dos repórteres, preferiu falar o que bem entendeu, encerrou o pronunciamento e foi para “os braços do povo”, ou melhor, foi se encontrar com os militantes que se aglomeravam na frente do hotel em que se reunia o diretório. Eles estavam ali para aplaudi-lo e badalá-lo. Ele foi lá para ser aplaudido e badalado.

No pronunciamento, Lula deixou de lado a metáfora da “jararaca” – que usou quando sofreu condução coercitiva – e disse que tem 70 anos, é um “velho” e pediu para deixarem o velho para lá. Mas ele começou do começo, digamos assim, ao falar da criança pobre, da trajetória pungente, do líder sindical, do metalúrgico, até chegar ao sucesso dos seus governos, principalmente pela inclusão social, mas até na política externa. Só que os procuradores não o denunciam pelas políticas de governo, mas sim pela “propinocracia”.

E, se foi assim, se ele foi tão perfeito, Lula só tem uma explicação para suas agruras com a justiça, o MP, a PF, a Receita e a imprensa: a elite malvada não aceita um operário que chegou ao poder e se deu tão bem. E é claro que ele voltou à velha história do “desconforto das patroas” porque os pobres começaram a andar de avião. O que Dallagnol, Pozzobon e centenas de profissionais têm com o tal “desconforto de patroas” não se sabe, mas é o que amigos, militantes e seguidores querem e precisam ouvir para manter vivo o mito que alimenta suas crenças.

O pronunciamento não ajuda em nada no processo jurídico, não mexe com o humor do juiz Sérgio Moro, não resolve as pendengas com os procuradores, mas foi muito bom para Lula do ponto de vista político. Ele é um craque da oratória e só ele pode tentar reavivar a aura de sucesso dos seus anos de poder, recuperar o ânimo petista e ativar a capacidade de reação política do partido e de seus aliados. O problema é que ele está cada vez mais falando para uma minoria. Por mais que os procuradores, anteontem, tenham passado do tom e exagerado na forma, a maioria prefere crer no que diz a Força Tarefa da Lava Jato. A tese do “comandante máximo” da corrupção tem tudo para colar. E para competir com a do “golpe” e do “Fora Temer”.

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