sexta-feira, 9 de setembro de 2016

O ‘paradoxo de Temer’ - José Paulo Kupfer

- O Globo

• Se relaxar muito nas reformas, o governo perde apoio; se apertar demais no ajuste, encorpará protestos e resistências no Congresso

Manifestações contrárias ao governo de Michel Temer estão pipocando como epidemia de catapora. Muito difícil — para não dizer impossível — antecipar os desdobramentos nas ruas e em eventos públicos do “Fora, Temer”, mas a tendência natural é que os ataques arrefeçam com o passar do tempo. De todo modo, mesmo que essa hipótese se confirme, seria ilusão imaginar que os novos governantes passariam a contar com automática aprovação popular.

Obrigado a promover medidas impopulares para cumprir a promessa de “recolocar a economia nos trilhos até 2018”, Temer está diante de um paradoxo. Se relaxar no ajuste fiscal e nas reformas trabalhista e previdenciária, perderá o apoio do PSDB, do mercado financeiro e das entidades empresariais, mas se apertar demais na austeridade fiscal e na precarização do trabalho, além de correr o risco de dificultar o relançamento da economia, ajudará a encorpar protestos e, com isso, alimentará resistências no Congresso.

Temer e seu núcleo duro no governo parecem ter consciência do problema. As idas e vindas de seu governo, nas manobras que contrapõem dureza no discurso e frouxidão na ação, antes atribuídas à interinidade e à necessidade de amealhar votos no Congresso para o impeachment, continuam depois da remoção da sombra do retorno de Dilma Rousseff e indicam que o Planalto sabe muito bem estar pisando em terreno pantanoso. Aos poucos, os novos inquilinos do Planalto vão aprendendo também que só governos com alta aceitação do eleitorado — o que todos os sinais indicam não ser o caso deste — dispõem de espaço para convencer a população de que o sacrifício imposto hoje por medidas impopulares reverterá amanhã em benefícios superiores aos atuais.

A mais recente prova dessa afirmação pode ser colhida no minueto em que anda dançando a proposta de reforma da Previdência. Conhecedor da impopularidade da proposta de reforma, que embute restrição de benefícios previdenciários, Temer tentou adiar seu envio ao Congresso para depois das eleições municipais de outubro. A reação contrária do PSDB, aliado de primeira hora do impeachment, determinou mais um recuo do governo, que anunciou ter voltado atrás e decidido enviar sua proposta ao Congresso ainda em setembro.

Ninguém, contudo, muito menos os tucanos, deveria se enganar com esse peculiar “recuo" necessitado de ser grafado com aspas. O lance do governo é tentar atender o parceiro evitando sofrer na própria e exclusiva pele as presumíveis consequências politicamente negativas do ato. Já bastaria, como pretende o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), enrolar e retardar a tramitação da proposta, mas, como seguro morreu de velho, o texto segue para o Congresso, de acordo com o que se diz no Planalto, ainda em setembro, mas na virada do calendário para outubro e a dois dias da eleição municipal, sem tempo hábil para influir no pleito em favor de candidatos oposicionistas.

Esse, aliás, parece estar se configurando como o estilo de jogo político das reformas de Temer. Um tipo de me engana que eu gosto, em que o governo finge aceitar a terceirização das medidas restritivas e impopulares que o PSDB quer lhe empurrar, mas, na prática, procura adoçar até onde for possível os remédios amargos prometidos. É bom ficar de olho, se essa atitude continuar a prevalecer, porque pode valer também para outros pontos do amplo programa de reformas prometido por Temer, no embalo do “Fora, Dilma”, antes de encarar a realidade das vaias a ele dirigidas.

Menos explícitas do que na Previdência — e talvez na reforma trabalhista — as resistências à PEC do teto de gastos, por exemplo, dão sinais de que poderão ser suficientemente fortes para reforçar o “paradoxo de Temer”. É de se prever que, quando o debate das medidas propostas na PEC se intensificar, não só os projetados cortes em educação e saúde concorrerão para animar as ruas e a sensibilidade do Congresso.

Também dará pano para muitas mangas o fato de que, aplicada por 20 anos pela via mais rígida de uma alteração constitucional, a restrição de gastos prevista não se restringe a produzir um ajuste fiscal. Na verdade, promove, na essência, uma redução do tamanho do Estado não devidamente debatida e que só seria explicitada quando a economia voltasse à normalidade do crescimento e, com ela, a da arrecadação pública

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José Paulo Kupfer é jornalista

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