domingo, 18 de setembro de 2016

Passagem para Curitiba - Fernando Gabeira*

- O Globo

Fui ver a queda de Eduardo Cunha em Brasília. Nunca vi ninguém tão solitário no momento da cassação. Falei com ele duas vezes. Na primeira, perguntei por que ficava de costas para os oradores. Disse que preferia vê-los no telão. Depois de seu discurso, perguntei pela conta na Suíça e disse que não a tinha. Segundo ele, há uma diferença entre trust e conta: o Supremo o absolveria. Ele sabe como eu que o problema não é conta ou trust mas o dinheiro escondido no exterior. No dia seguinte, a imprensa internacional o apelidou de Mr. Trust, mostrando como uma das formas de ocultação de riqueza ilícitas.

Pensei que pudesse me dedicar um pouco ao governo Temer. Fernando Henrique o chamou de pinguela, nome talvez desconhecido das novas gerações. Mas é um tronco ou tábua separando as margens do rio ou córrego. A ideia de uma pinguela é inquietante pela sua precariedade diante das tensões e conflitos de um país continental. As coisas seriam mais fáceis para o governo se não fosse um desastre em comunicação. A ideia de expansão da jornada de trabalho para 12 horas é um alimento para os demagogos. A impressão que deu foi a de que a jornada obrigatória passaria para 12 horas. Além de ser adversário de si próprio, o governo concilia com a oposição na medida em que não revela o que realmente aconteceu quando o PT dominava o governo. O que houve no BNDES, por exemplo? Por que até agora não se conhece o que aconteceu nas transações do banco?

No meio da semana, a Lava-Jato apresentou sua denúncia contra Lula. Mostrou que era o comandante do Petrolão e se fixou no tríplex do Guarujá. Mostrou pagamento do depósito da mudança de Lula. Logo em seguida, vi uma entrevista da defesa. A rigor não havia contradição de fundo entre o defensor e os acusadores de Lula. Eles dizem que o ex-presidente era o dono oculto do tríplex. A defesa diz que os documentos mostram que Lula não é o dono do tríplex. Se os documentos legais indicassem Lula como o dono, para que então mobilizar uma força-tarefa de 300 homens e mulheres para investigar as relações Lula-OAS? Nesse caso sim, estariam malbaratando dinheiro público.

Lula foi apontado como comandante do Petrolão e de todo o sistema de propinocracia que dominou o país ao longo dos 13 anos. Na ausência de uma autocrítica, prevalece a tática da negação. Será uma longa jornada que, no meu entender, trará repercussões mais desastrosas ainda para o partido e seus apoiadores na esquerda. Mas as atribulações da esquerda não significam que pinguela se sustente sozinha até a margem de 2018. O governo terá de fazer sua parte. Não se trata apenas de aprovar projetos no Congresso. É preciso parar de dizer bobagens. Alguém deve lembrar aos ministros que as câmeras são sedutoras mas sempre encerram um perigo.

As confissões de bastidores, então, são terríveis. Estão sempre preocupados com as manifestações. Será que esperavam mesmo que a travessia da pinguela se faria sem gente pulando em protesto? Todos estamos vivendo momentos de imprevisão. Mas há coisas que uma análise racional pode prever. A queda de Eduardo Cunha, por exemplo, era líquida e certa. Voto aberto, proximidade de eleições, até os mais próximos se afastaram no momento final. Também era previsível que o papel de Lula fosse dissecado nessa fase pós-Dilma. Quase tudo que se apresentou ali já era conhecido, sobretudo de quem leu os jornais. Mas agora aparece de uma forma mais oficial. O desdobramento da Lava-Jato deverá ser o instrumento mais poderoso na revelação do subterrâneo político brasileiro.

O governo não faz sua parte na divulgação da história recente do Brasil talvez porque não compreenda a importância da tarefa. Ou talvez demore com os dados porque foi coadjuvante da trama e precisa selecioná-los. Quem dará o balanço do que se passou nos bancos oficiais, na política externa? Os historiadores? A versão do governo, certamente, não seria tida como verdade absoluta. Mas é muito raro nessa movimentada pinguela que a voz dos condutores não seja ouvida, ou pior ainda, só sejam ouvidos os ruídos que saem aos borbotões, desde o episódio da prisão de suspeitos de terrorismo, passando por declarações machistas e culminando na famosa jornada de 12 horas.

Desse jeito, é melhor abrir cursos de natação pois a pinguela pode ser levada pelas águas. Por ser estreita e precária, exige uma capacidade política muito maior do que simplesmente trânsito parlamentar. De resto, a conclusão que tiro para os personagens da semana é a mesma que expressei na segunda-feira, no momento da cassação de Cunha. A má notícia para ele é cair nas mãos do Sérgio Moro. A boa é que o inverno está acabando, e as temperaturas em Curitiba costumam ser mais amenas na primavera.

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*É jornalista

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