terça-feira, 20 de setembro de 2016

Por que não se calam? - José Murilo de Carvalho

- O Globo

• Tal predicamento, também chamado de judicialização da política, só se sustentará se operadores da Justiça mantiverem postura profissional e resistirem à tentação dos holofotes

A pergunta dirigida pelo rei Juan Carlos da Espanha a Hugo Chávez me vem à mente a propósito do falatório e dos espetáculos midiáticos de delegados, promotores e juízes. Esses operadores da Justiça vêm fazendo inestimável trabalho no sentido de endireitar os desvios de nossa pobre República. Com a caída no descrédito público do Executivo e do Legislativo, o terceiro poder tem-se afirmado e ganhado força e credibilidade inéditas em nossa história.

Mas tal predicamento, também chamado de judicialização da política, só se sustentará se os operadores da Justiça mantiverem postura profissional e resistirem à tentação dos holofotes e de incursões na política, se eles se contiverem nas manifestações dentro dos autos, observando estrita adesão às regras que presidem a investigação, o processo e o julgamento. A não ser assim, o messianismo, a atração do espetáculo e a fala política serão um tiro no pé, comprometerão o trabalho, levarão à perda de credibilidade e darão alento aos acusados, aos réus e a seus advogados. Tudo se pode perder se for fornecida aos interessados na impunidade munição para neutralizar os esforços em favor da democratização da Justiça, como se verificou na Itália. Por que não se calam?

Milita também contra a credibilidade do Judiciário seu corporativismo, hoje manifestado na demanda por aumento de vencimentos. A aprovação desse aumento, como se sabe, produzirá efeito cascata que sangrará o Tesouro em milhões de reais. Nossos juízes têm os mais altos salários da República, correspondentes a mais de 40 salários mínimos. Pressionar Executivo e Congresso no sentido de aprovar o aumento revela falta de sensibilidade social, desrespeito aos 12 milhões de desempregados, aos funcionários com vencimentos atrasados, a todas as vítimas da crise econômica. Se aprovado o aumento, perderá o Judiciário em respeitabilidade, perderá a República, perderá o Brasil. Por que não pensam nisso?

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José Murilo de Carvalho é historiador

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