sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Último ato para a necessária cassação de Cunha – Editorial / O Globo

• Por ironia, deputado deve tentar se valer da manobra que manteve Dilma apta a ocupar cargos públicos, depois de receber pesadas acusações dela e de seu partido

Assim como o impeachment de Dilma Rousseff, a cassação do deputado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) é um imperativo decorrente do estado democrático de direito, um ato de fortalecimento das instituições. No caso da ex-presidente da República, não bastassem as provas cabais do atropelamento da Lei de Responsabilidade e de normas orçamentárias, crime de responsabilidade para efeito de impedimento, havia o tal conjunto da obra de desmandos, cuja extensão real ainda está para ser conhecida. Quanto ao deputado, há contra ele uma pesada lista de atos de corrupção, investigados pela Lava-Jato e também já como parte de denúncias em tramitação no Supremo Tribunal Federal.

Na Corte, Cunha já é réu em dois processos. Um deles trata da cobrança de propinas em negócios feitos pela Petrobras, relatada por delações premiadas no âmbito da Lava-Jato. Constam desse processo — em que Eduardo Cunha é acusado de corrupção passiva, lavagem de dinheiro e evasão de divisas, entre outros crimes — as tais contas abertas na Suíça em nome de um trust, o qual Eduardo Cunha garante ser uma figura etérea, sem qualquer relação com ele, embora financiem gastos nababescos, seus e familiares, no exterior.


Cunha terá o futuro decidido pelos pares devido a um processo específico movido contra ele no Conselho de Ética, por ter mentido, na CPI da Petrobras, ao garantir não possuir contas bancárias no exterior. Logo depois, divulgaram-se documentos, enviados ao Brasil pelo Ministério Público suíço, que comprovam a existência delas.

Assim como no impeachment de Dilma, cabe na cassação de Cunha o conceito do conjunto da obra, mesmo que ele não tenha validade jurídica. Mas ajuda cada deputado a se decidir na votação sobre o deputado, a ser iniciada segunda-feira, segundo desejo do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Se mentira arranha decoro na Câmara, o que dizer da série de manobras feitas por Cunha, com o uso de poderes da presidência da Casa, para adiar indefinidamente a tramitação do seu processo no Conselho de Ética? Com Dilma, saiu derrotado o uso do Estado para manter um projeto de poder, a qualquer custo. Mesmo que seja o da derrocada fiscal do próprio Estado, cuja expressão mais dramática são os mais de 11 milhões de desempregos. Na cassação de Cunha, o político inescrupuloso, capaz de tudo para enriquecer e ser poderoso — neste aspecto, o deputado e a ex-presidente se assemelham —, recebe um recado da instituição. Por uma série de problemas, o nível da representatividade política no Brasil está muito baixo, mas há limites que não devem ser ultrapassados. A própria cassação de Cunha ajuda a melhorar a enxovalhada imagem da Casa.

Por uma sondagem do GLOBO, ontem no final da tarde já havia 277 votos pela cassação, 20 a mais que o mínimo necessário para a perda de mandato parlamentar. Mas nada é simples quando se trata de Eduardo Cunha. Ontem mesmo, o Supremo negou pedido do deputado para suspender o processo na Câmara. Sempre com cartas nas mangas, Cunha deve se valer da manobra feita entre Renan Calheiros (PMDB-AL), o presidente do STF, Ricardo Lewandowski, o PT e parte do PMDB para manter Dilma habilitada a cargos públicos. O mau passo inspira agora acertos para também livrar Cunha, o grande alvo de Dilma e PT, no embate do impeachment. Ironias.

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