domingo, 18 de setembro de 2016

Uma reforma possível – Editorial / O Estado de S. Paulo

Não é a reforma política ideal, mas a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 36/2016 – recentemente aprovada pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ) do Senado – traz alterações que podem moralizar um pouco o cenário político-partidário. Sua aprovação, nos termos do substitutivo apresentado pelo senador Aloysio Ferreira (PSDB-SP), pode significar um freio à atual proliferação de legendas que, sem qualquer funcionalidade representativa, têm como objetivo único servir a seus proprietários.

A PEC 36/2016 introduz duas importantes mudanças nas regras eleitorais. A primeira é a cláusula de barreira para os partidos políticos. De acordo com a proposta, “terão direito a funcionamento parlamentar aqueles (partidos) que obtiverem, nas eleições para a Câmara dos Deputados, no mínimo, três por cento de todos os votos válidos, distribuídos em, pelos menos, catorze unidades da Federação, com um mínimo de dois por cento dos votos válidos em cada uma destas”.

Caso não atinja essa tripla condição – porcentual mínimo de 3% dos votos válidos, distribuídos em no mínimo 14 Estados, com ao menos 2% em cada um deles –, a legenda não contará com os recursos do fundo partidário nem terá acesso gratuito ao rádio e à televisão, além de perder o “direito à estrutura própria e funcional nas casas legislativas”.

Como se vê, não se trata da cláusula de desempenho habitual em muitos países, que faz com que sejam desconsiderados os votos destinados aos candidatos cujos partidos não atingiram o porcentual mínimo. Nesse sistema, não basta que um candidato tenha individualmente votos para ser eleito. É preciso também que seu partido supere a cláusula de barreira. A cláusula da PEC 36/2016 tem uma eficácia mais restrita.

Mesmo assim, a proposta – nos termos aprovados pela CCJ do Senado – terá efeito positivo por desfazer uma perversa inversão que vem ocorrendo na vida partidária brasileira: legendas que existem apenas em função da ajuda estatal. O fundo partidário e o horário gratuito na TV e no rádio são o fundamento da sua existência. Ora, a ajuda estatal – se é que deve existir – tem sentido apenas como fomento adicional para legendas com vida própria, que representam de fato ideias e pessoas. Se uma legenda não representa uma parcela mínima da sociedade, não há por que se insistir na sua manutenção, com a ajuda artificial de recursos públicos.

A segunda importante alteração promovida pela PEC 36/2016 é o fim das coligações eleitorais nas eleições proporcionais. Trata-se de imprescindível respeito à vontade do eleitor. Atualmente, ao votar num determinado candidato a deputado federal – o exemplo é válido também para os cargos de vereador e de deputado estadual –, o cidadão beneficia não apenas o candidato escolhido e o seu partido. O cálculo para a distribuição das cadeiras nas eleições proporcionais considera a coligação, e não o partido. Dessa forma, dependendo das coligações feitas – e, no Brasil, a afinidade ideológica não costuma ser uma condição para as coligações –, o voto pode beneficiar um candidato com perfil ideológico completamente diferente do da escolha do eleitor. Tem-se, assim, um modelo que interfere na qualidade da representação política e, portanto, deve ser prontamente revisado. Não cabem tolerâncias com um sistema que distorce a vontade do eleitor.

Conscientes do caráter polêmico da proibição de coligações nas eleições proporcionais, especialmente na Câmara – onde não poucos deputados foram eleitos tão somente por causa das coligações –, os autores da PEC 36/2016 propuseram que ela vigore apenas a partir de 2020. Ou seja, os atuais deputados teriam ainda chance de uma reeleição com base nas coligações. Certamente tal concessão está longe de ser exemplar, mas obedece a uma certa prudência política. É melhor proibir a partir de 2020 do que não proibir nunca. Talvez seja esse o grande mérito da PEC 36/2016 – sem a pretensão de ser perfeita, tenta ser a reforma possível.

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