quinta-feira, 6 de outubro de 2016

A batalha do teto - Luiz Carlos Azedo

- Correio Braziliense

• A base do governo Temer ainda não entendeu que está num barco que corre risco de naufrágio se não reduzir o rombo no casco e jogar carga ao mar

Uma das características da nossa política tradicional é o predomínio da “transa” em relação ao mérito das questões que estão em jogo. O que é isso? São os acordos políticos tecidos pelos líderes com suas respectivas bancadas para garantir apoio ao governo, geralmente a partir de um sistema de barganhas nas quais a decisão política acaba subordinada a um carguinho aqui, outro ali, uma verbinha pra lá, outra pra cá, a troca de apoio nas eleições locais e por aí vai. O mérito da discussão acaba sempre em segundo plano, é assunto para os especialistas que assessoram os relatores dos projetos e as equipes técnicas dos ministros. Mas sempre há um divisor de águas para a batalha que se estabelece entre o governo e a oposição em plenário.

Agora, em meio ao segundo turno das eleições municipais, trava-se uma batalha de vida ou morte para o governo Temer. Não é uma batalha com a oposição, que foi batida nas urnas no primeiro turno das eleições municipais. É queda de braços entre o presidente da República, Michel Temer, e sua própria base de apoio, para fazer o que precisa ser feito: o ajuste fiscal. O divisor de águas visível para a opinião pública é o teto dos gastos públicos, que a oposição aponta como um suposto golpe mortal nos programas sociais dos governos Dilma e Lula, mas que nada mais é do que uma imperiosa necessidade. Sem um freio de arrumação no deficit público, o país continuará ladeira abaixo e os partidos que aprovaram o impeachment de Dilma Rousseff serão levados de roldão pela recessão, pela inflação e pelo desemprego.

No nosso Congresso, relatar projetos importantes, que galvanizam as atenções da mídia, são momentos de glória para qualquer parlamentar. O grande problema é quando a proposta não versa sobre matéria de apelo popular, o que geralmente é sinônimo de aumento de gastos públicos. O relator, mesmo escolhido a dedo, sofre pressões de todos os lados e acaba acendendo uma vela pra Deus e outra para o diabo. Se não faz isso, centenas de emendas são apresentadas para desfigurar o projeto original, que acaba virando um mostrengo. A única alternativa é o presidente da República vetar os artigos inconvenientes, mesmo correndo o risco de a emenda fica pior do que o soneto.

No momento, o projeto de emenda constitucional que limita o teto dos gastos públicos, cujo relator é o deputado Darcísio Perondi (PMDB-RS), um dos líderes da bancada da Saúde na Câmara, passa por um corredor polonês. A base de cálculo do piso mínimo dos gastos com saúde em 2017, por exemplo, por pressão da base, será de 15% da receita líquida, e não de 13,7%, como previa o texto original. Nas negociações para elaboração do seu relatório, acordou-se que as despesas federais serão corrigidas pela inflação acumulada em 12 meses até junho do ano anterior. O texto original previa que a correção seria pela previsão do IPCA do fim do ano. Com a mudança, os parlamentares poderiam trocar o percentual que corrigiu a proposta de Orçamento de 2017, já enviada ao Congresso, fixado em 7,2%, que é a previsão para inflação deste ano.

Negociação
Ou seja, foi aberto um espaço para aumentar os gastos orçamentários no ano que vem, em vez de reduzi-los, já que a correção poderia ser de 8,8%, referente ao IPCA acumulado em 12 meses até junho último, ou seja, um aumento de 1,6 ponto percentual. A alteração poderia ser feita durante a votação do Orçamento do ano que vem, o que provocaria um aumento real das despesas públicas já na largada do teto, desmoralizando o ajuste. O governo, porém, acertou com o deputado Darcísio Perondi a inclusão do artigo na própria PEC. Com isso, espera garantir a correção de 7,2% na votação do Orçamento, empurrando a mudança para 2018. Esse foi o acordo com o relator, mas falta combinar com os beques.

Essa é a negociação em curso entre o presidente Temer e a base. Inicialmente, somente o PSDB defendia o ajuste com firmeza. Ontem, as executivas do PMDB, PSD e PR fecharam questão a favor da a aprovação da emenda. O relatório final da proposta de limite dos gastos deve ser votado hoje na comissão especial da Câmara. No domingo, o próprio Temer pretende fazer um grande encontro para consolidar o apoio de sua base à PEC dos Gastos, para aprová-la em plenário na próxima segunda-feira. Por se tratar de emenda à Constituição, são necessários os votos de pelo menos 308 dos 513 deputados, em dois turnos. A previsão é aprovar a medida no Senado ainda este ano.

O governo espera um rombo em suas finanças de até R$ 170,5 bilhões neste ano, o que explica os juros nas alturas e a recessão, além da expansão da dívida pública. A base ainda não entendeu que está num barco que corre risco de naufrágio se não reduzir o rombo no casco e jogar carga ao mar. Sem aprovação do teto dos gastos, o país não recuperará sua credibilidade perante os investidores. Acontece que ainda não caiu a ficha de que o país não aguenta mais o nível de gastos do governo federal, ainda que os avisos venham de todos os lados, principalmente dos governos estaduais e prefeituras que estão entrando em colapso.

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