quarta-feira, 19 de outubro de 2016

Candidato de demolição - Rosângela Bittar

- Valor Econômico

• A urna municipal não mandou recado contra políticos

À sua maneira peculiar e conveniente, o ex-governador cearense Ciro Gomes interpretou o resultado das eleições municipais e definiu uma estratégia de combate aos adversários da próxima campanha presidencial desde já. Postulante pela terceira vez à Presidência, cargo que já disputou por diferentes partidos entre a meia dúzia de siglas que já frequentaram seu currículo, ele casou o que imagina ser recado das urnas municipais com seu traço comportamental marcante, a contundência verbal, montou e colocou em execução um plano.

Como acredita que o eleitorado deu vitória à anti-política, sua metralhadora passou a girar em direção aos alvos nos 360 graus à sua volta. Antes mesmo do resultado das eleições em segundo turno, Ciro começou a trabalhar. Apenas daqui a um ano a campanha terá que estar na rua com toda a força, candidatos deverão assumir posição em suas raias, mas o fato de notar uma coincidência entre o que acha que deseja o eleitorado e o que lhe pode oferecer, o ex-governador botou o bloco na rua.

Assim, já sobraram ataques às cúpulas dos partidos, às autoridades dos governos, a aliados do seu partido, aos seus fregueses habituais PSDB e PMDB, à sua aliada Dilma Rousseff, aos que acusa de golpistas e aos que se manifestam nas ruas pelo contragolpe, até mesmo a Luiz Inácio Lula da Silva, seu camarada que já discutiu com mais de uma facção petista a oportunidade de ficar com a candidatura Ciro se o PT não puder ter a cabeça de chapa. E sobrou até para o juiz Sergio Moro, uma quase unanimidade.

Nos últimos dias só se viu Ciro livrar a cara do presidente do PDT, sua legenda do momento, dizendo que Carlos Lupi é seu amigo. Pudera, se rifar Lupi também não terá onde pendurar sua candidatura. As análises feitas sobre o chamado mercado eleitoral não condenam a precipitação de Ciro, embora em contradição mostrem que ele está errado.

O sociólogo Antonio Lavareda, amigo de Ciro Gomes, cliente que transformou em personagem de seu livro "Emoções Ocultas", sobre marketing político, contesta a conclusão de que os altos índices de votos em branco, nulos e abstenções são um sinal eloquente de que o eleitorado das municipais vetou os políticos. Uma boa parte, sim, mas a maioria, não.

"Foi a esquerda, e dentro dela o PT, a grande perdedora da eleição, não a classe política. Na última eleição americana, apenas 55% dos americanos foram votar. Barack Obama teve 54% desses votos, menos de 30% do eleitorado. Isso não o deslegitimou", cita, ao comentar o significado da abstenção. Outro exemplo está em São Paulo, nas eleições de 2012 e 2016. João Doria venceu em primeiro turno agora com 35% do eleitorado. Em 2012 Fernando Haddad foi ao segundo turno com pouco mais de 38% dos votos, ou seja, 62% não votaram em quem seria depois eleito no segundo turno.

Para o cientista político, essas alegações são "mito compensatório". Segmentos ligados à esquerda, derrotada, construiram a tese de que os eleitos eram representantes de parcelas minoritárias. Da mesma forma, por exemplo, pode ser encarado o discurso que atribui ao impeachment de Dilma o caráter de golpe. É uma saída razoável para enfrentar tantas denúncias de corrupção, prisões e incompetência do partido no governo. Mito, discurso, estratégia.

Lavareda não concorda que o eleitorado tenha preferido a anti-política: "Os votos em branco, nulos e abstenções de 2008 para 2012 aumentaram mais que os de 2012 para 2016. E ninguém disse que o eleitorado no primeiro período estava reativo aos políticos". Para ele, a variável determinante foi a biometria, que fez melhor o controle de fraudes e erros, provocando a baixa abstenção onde ela se deu.

Portanto, não tem recado na urna da eleição municipal que seja consistente com a ideia de que o eleitorado busca o não político. E que leve candidatos como Ciro Gomes a tentar afirmar-se herdeiro da abstenção. Porém, se o político está no jogo, e vê ali um nicho do chamado mercado eleitoral, os que repudiam a política, ainda mais que aquilo combina com seu jeito de atuar, pode fazer a jogada à falta de algo melhor. Sabendo que está falando para uma minoria.

Até o Moro? Para conquistar o voto da esquerda e do PT, que declararam guerra ao juiz e à Lava-Jato. Nada impede que, mais à frente, também por estratégia, já tendo anexado o contingente "contra tudo e todos menos Lupi", faça correções de rumo que possam lhe render outros apoios.

Ciro não faz nada por acaso, já está todo conduzido tecnicamente. Há um risco que já se pode considerar: o de virar um candidato folclórico, com um discurso de adjetivos fortes e palavrões manjados. Mas sempre haverá uma faixa do eleitorado que aprecia o estilo.
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As credenciais que fazem de Angelo Roncalli um especialista único no sistema prisional brasileiro são as de ex-secretário de Justiça do Espírito Santo, em dois períodos de vasta criminalidade no Estado, e ex-diretor do Departamento de Justiça do Ministério da Justiça, onde conheceu e se aprofundou na organização do sistema. Sua análise, concisa, sobre o que denomina eventos nas prisões de diferentes estados:

"É um problema crônico porque os governos não investem no sistema. Com a crise econômica, a tendência é piorar. Não tem governo ou sociedade que achem que isso seja prioridade. É muito difícil explicar para o cidadão que é preciso investir R$ 30 milhões na construção de um presídio, quando as pessoas estão precisando de saúde, de escolas. E o investimento não pararia aí. Quando se constrói, tem que ter funcionários. E como é uma atividade que funciona 24 horas, exigem-se muitos servidores, o que a torna dispendiosa para o Estado."

"A remuneração e, principalmente, as condições de trabalho, são uma questão importante. Se não é considerado, o funcionário vai relaxando, e essa é uma atividade em que ele precisa estar tensionado, pois o sistema é tensionado todo o tempo. Os funcionários têm que estar psicológica e fisicamente bem. Como já não têm salários adequados, vão relaxando, e dão abertura a esse tipo de evento".

"Temos que ser vigilantes na entrada do sistema, a Justiça tem que funcionar adequadamente para que não vá para a prisão a pessoa que não tem que ir, e o funcionário precisa trabalhar em tensão máxima para que os eventos sejam reduzidos".

Para Roncalli, a tensão precisa ser instrumento de trabalho.

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