segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Contra a impunidade – Editorial / O Globo

• O projeto deve ser discutido pelo seu conteúdo e levando em conta o clamor do país contra a corrupção

A cada ano, ações de corrupção produzem uma sangria de R$ 200 bilhões no Brasil, 5% do PIB, uma montanha de dinheiro equivalente a quase sete vezes o orçamento do Bolsa Família. São dados do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento. É um problema sistêmico, crônico, uma epidemia cevada na impunidade.

A desobrigação de que, em processos sobre a promiscuidade financeira nas relações de mercado envolvendo agentes públicos, réus paguem por seus atos, um estímulo ao crime de colarinho branco, se alimenta no país na forma de leis brandas (ou inócuas), em chicanas de que se valem advogados bem relacionados (e bem remunerados) para manter seus clientes apanhados em “malfeitos” fora do alcance da Justiça (não raro, até o limite da prescrição das penas) etc.

É fato que a corrupção não é fenômeno recente no país, mas não é menos verdade que, durante os governos lulopetistas, a partir do desenvolvimento de uma sofisticada tecnologia de transferência de recursos públicos para cofres companheiros, ela se consolidou como um instrumento de poder, numa teia que se estendeu, de forma interligada, por diversos organismos de governo e de Estado. Virou um projeto político em si, como ficou evidente nos processos que desmontaram a quadrilha organizada do mensalão e no petrolão, este o bilionário escândalo ora objeto de investigações — e punições — na Lava-Jato.

A desconstrução da central de distribuição de propinas montada por PT e aliados é importante como arma de combate à corrupção. E, num sentido mais abrangente, pela conexão de suas ações com os anseios da sociedade. Os resultados são positivos, mas, em si, trata-se de uma iniciativa pontual. Uma vez cumpridas as metas, a Lava-Jato deixará de existir. Estará então o país definitivamente vacinado contra o vírus da distribuição de propinas e contra outros atos deletérios na vida pública?

É certo que não. Daí a importância da iniciativa do Ministério Público Federal de ter apresentado ao Congresso suas propostas para dotar o Estado de mecanismos, eficazes e perenes, que o defendam de ataques do banditismo político-financeiro. Mirando-se no bem-sucedido exemplo de mobilização popular da Ficha Limpa, via recolhimento de assinaturas, e aproveitando a expertise da atuação do MP no mensalão e no petrolão, a iniciativa também alcançou o status de projeto de lei, já em discussão na Câmara para ser votado no Congresso. As dez medidas propostas pelo MPF tratam de mudanças específicas em leis penais e processuais. Elas se juntam a outras ações em curso no país para combater com eficácia a corrupção — além da Lava-Jato, a recente decisão do STF de fixar sentenças de segunda instância da Justiça como o ponto a partir do qual condenados devem começar a cumprir penas, num grande avanço.

O projeto originado no MP precisa ser discutido por seu conteúdo, mas também levando em conta o sentimento do país, de clara repulsa à impunidade, conforme demonstrado em pesquisas de opinião.

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