quarta-feira, 26 de outubro de 2016

Esperando Odebrecht - Rosângela Bittar

- Valor Econômico

• Na organização institucional é onde o Brasil está pior

Todos sabem que as conversas políticas, hoje, não são assertivas e seguras como antes, e começam logo com um pedido de desconto: "...depende do que pode vir na delação da Odebrecht..."

É o que se diz, a respeito de qualquer pergunta, vez que o futuro dos partidos depende disso. Mais ainda quando se trata do PSDB e suas gestões no governo de São Paulo nas últimas duas décadas. É o partido que exerceu o poder e foi eleito no poder federal e estaduais mais vezes, portanto com financiamento da empreiteira símbolo da Operação Lava-Jato. E é a legenda que ainda mora nas sombras. Todos as outras agremiações já foram iluminadas o suficiente para ter o registro de seu envolvimento na corrupção política que vem sendo desvendada no país.

Como se não houvesse amanhã, o PSDB de São Paulo, mais forte e poderoso, no momento, se dá ao luxo de ficar perdido nos labirintos de ser ou não governo, de atuar sem pejo na oposição, de iniciar a campanha presidencial, de votar medidas necessárias ao equilíbrio financeiro do país, de deixar que se consolidem novas lideranças internas, de sufocá-las para não antecipar concorrência, entre muitas outras questões shakespeareanas que habitam a alma da legenda, desde sempre.

O centro nervoso do partido, hoje, está em São Paulo. O PSDB conquistou a prefeitura da capital, um cargo considerado o terceiro da República, e deu cacife para o futuro político do governador Geraldo Alckmin. Vencedor, é verdade, mas apenas por haver manobrado o partido com o seu poder de comandar o jogo para determinar a escolha do candidato. A vitória, mesmo, com o eleitorado, João Doria conquistou-a pelos seus méritos.

O PSDB venceu por duas questões consideradas básicas: o desgaste do PT, partido que exauriu a disposição do eleitorado até para atacá-lo, e porque, bom comunicador, João Doria soube capitalizar a aversão aos políticos.

Embora tenha atuado apenas na origem, quando escolheu o candidato, o governador ficou, pelo mérito inicial, dono da vitória, e fortaleceu-se para os projetos futuros. Como o poder galvaniza, todos se tornaram seus súditos.

Alckmin toca o projeto de candidatura a presidente da República, campanha que já começa a fazer em viagens pelo país. Contudo, está com baixa popularidade, não tem um só nome bem colocado para sua sucessão no governo mais de 20 anos depois de o PSDB ter iniciado seu ciclo de poder no Estado, não conhece ainda o que pode vir em matéria de denúncias com poder de destruição do futuro que vem construindo. E não se coloca na arena de salvação nacional que o governo de Michel Temer tenta construir. Ao contrário, Alckmin é crítico dessa transição de dois anos e meio sob o comando do PMDB.

Quando no governo, o PSDB estruturou o orçamento e a Lei de Diretrizes orçamentárias, e a Lei de Responsabilidade Fiscal. Na oposição, derrubou o fator previdenciário que criara para arrefecer o déficit já agigantado do seu período. Aprovou reajustes salariais que aprofundaram o abismo fiscal no país, e na semana passada, ainda, por sua maioria, votou contra o veto ao aumento de remuneração dos defensores. Uma farra, em contraponto aos antigos compromissos de rigor fiscal. Tal qual o PT que, agora mesmo, em período subsequente ao seu governo, renegou tudo o que pregava até há dois meses. Para os que pensam o partido, isso poderia acontecer com qualquer um, menos com o PSDB.

Sem um líder carismático a dar o toque de união, as bancadas parlamentares seguem desafinando no Congresso, sem definir suas prioridades e tomando caminhos diversos com relação às propostas do governo. Na política também não há consenso: são três candidatos a presidente da Câmara, Antonio Imbassahy (BA), Jutahy Junior (BA), Carlos Sampaio (SP). O presidente Michel Temer já havia feito um apelo para que os aliados escolhessem um candidato em comum, juntando-se a esses três o do PSB, Heráclito Fortes, os do Centrão, Rogério Rosso (PSD) e Jovair Arantes (PTB). Sem sucesso.

Os presidenciáveis do partido - Alckmin, Aécio Neves e José Serra - não se acertam sobre absolutamente nada, e enquanto o governador de São Paulo dá as cartas, pelo menos à sua divisão, os outros se recolhem a iniciativas erráticas e esparsas.

Arnaldo Madeira, dissidente e estudioso de duas questões emperradas historicamente no partido - a reforma política com voto distrital e a disfunção institucional do país -, nota que o PSDB está mesmo à deriva e deveria abandonar qualquer outro projeto, neste momento, para dedicar-se a ajudar a "reconstrução de tudo o que o PT destruiu nesses 13 anos no poder". Neste instante, o drama econômico seria o principal problema a resolver.

Assim, suas prioridades para o PSDB seriam: aprovar a PEC 241, a mesma que vem sendo confrontada pelo governador Geraldo Alckmin, um dos poucos a ficar contra; fazer algo que permita ao país gastar menos; iniciar uma negociação sobre a reforma da previdência; mexer na estrutura da legislação trabalhista; aprovar as regras de terceirização que já estão avançadas no Congresso. "A PEC, sozinha, é sinalização para o mercado. Se não fizer as medidas necessárias para cortar gastos, não vai resolver nada", afirma.

A economia, enfatiza Madeira, é onde o PSDB está melhor, sempre esteve. Na política tudo vai muito mal. "A reforma politica, tenho até medo de ver o que vão fazer, quando vi Rodrigo Maia propor lista fechada, tese histórica do PT e do PFL, parei de acompanhar", afirma.

Mas o que, no Brasil, vai de mal a pior, na sua avaliação, é na organização político-institucional, na relação entre os Poderes e suas atribuições. No que diz respeito ao quadro eleitoral, há uma organização mediana, as eleições são realizadas democraticamente, respeitados os intervalos de dois anos. Falta resolver a representatividade e a confusão institucional".

Essa confusão institucional, por sinal, é exatamente a essência da nova crise política insuflada há dois dias pelo presidente do Senado, Renan Calheiros. Se um não respeitar a função e o papel do outro, será o caos o que os espera.

"Estamos chegando a 100 emendas à Constituição que tem apenas 28 anos. Se formos abstrair a realidade, veremos que a PEC 241 é o óbvio. Tudo o que se pode fazer nela se pode fazer no orçamento. Por que fazer a emenda? Porque ninguém tem força política".

Tem um jogo - afirma Madeira - que não está definido e não podemos dizer o que vai acontecer. "Nos Estados Unidos, fala-se do destino manifesto, mas o nosso é o destino imprevisível."

Inclusive, voltemos a ela, porque não se sabe o que haverá na delação da Odebrecht.

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