terça-feira, 18 de outubro de 2016

FH afirma que lula foi ‘absorvido pelo clientelismo’, mas que não quer vê-lo preso

- O Globo

Em 2003, após a vitória do PT nas eleições presidenciais do ano anterior, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva tomou uma decisão que, para seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, mostrou-se crítica para o atual estado de fragmentação partidária e colapso do presidencialismo de coalizão. Em vez de formar inicialmente uma aliança com o PMDB, lembra FH, o petista priorizou a composição com muitas legendas pequenas.

Na visão do tucano, a atitude de Lula aumentou a pressão sobre o governo pela distribuição de cargos sem respeitar necessariamente critérios programáticos, o que aprofundou o fisiologismo do sistema político brasileiro e, no limite, levou ao mensalão, esquema de compra de votos no Congresso.

— Para meu desgosto, o Lula foi absorvido pela cultura tradicional brasileira: clientelismo, corporativismo, favoritismo e um pouquinho de corrupção. Houve uma transformação até íntima dele. Pouco a pouco, o PT começou a usar os instrumentos tradicionais e deixou de renovar — criticou FH. — Em qualquer democracia, um poder não se sustenta só com ideias. Existe um jogo, ninguém é ingênuo. Mas esse “dá lá, toma cá” tem limites também. Quando você deixa tudo se transformar nisso, perde a virtude. Ninguém pensa que só existe virtude, mas é preciso ao menos um predomínio dela.

Fernando Henrique mostrou cautela ao falar sobre as investigações que têm Lula como alvo. Tratado por integrantes do PT como possível candidato à Presidência em 2018, o petista é réu em três processos, após ter sido denunciado pelo Ministério Público Federal por supostas fraudes em contratos do BNDES, tentativa de obstrução da Lava-Jato e recebimento de vantagens indevidas na reforma de um tríplex no Guarujá. Há outras investigações em andamento.

“NÃO GOSTO DE VER NINGUÉM NA CADEIA”
Embora o PSDB tenha se transformado no maior adversário do PT na última década, o tucano acha que a rivalidade eleitoral não serve como pretexto para torcer pela prisão de Lula. Pelo contrário: FH indicou que, “do ponto de vista histórico”, não seria bom condenar o petista:

— Eu não gosto de ver ninguém na cadeia, muito menos o Lula. Se vai eu não sei, tomara que não. Mas é o juiz que vai ver. Às vezes, a pessoa faz coisas tão inacreditáveis que o juiz não tem escolha. O juiz não vai pensar politicamente se é bom ou é mau. Se houver alternativa, eu acho melhor, mas isso sou eu. Se fosse juiz, eu obedeceria à lei, não aos meus sentimentos.

Na avaliação de FH, a reconstrução do PT seria interessante para atenuar a fragmentação partidária do país. O tucano lembrou que a bancada petista ainda é uma das três maiores da Câmara, no patamar de PMDB e PSDB, o que torna o partido um ator importante na busca por governabilidade. Os parlamentares dos três partidos só representam 30% do Congresso, o que, para FH, ajudou a implodir o sistema político brasileiro.

As eleições municipais deste ano, contudo, apresentaram uma queda brusca da presença do PT nos municípios brasileiros. O partido elegeu 256 prefeitos em primeiro turno, quase 400 a menos do que em 2012, quando tinha o terceiro maior número de prefeituras entre os partidos, atrás apenas de tucanos e peemedebistas.

— Tomara que o PT se regenere. Não sei (o caminho), porque o PT ficou muito confundido com o Lula. Sem Lula, o PT é um partido médio. Com Lula, é um perigo nacional. Pode ser majoritário — avaliou o ex-presidente.

A análise sem rancores feita por Fernando Henrique não é exatamente novidade, como lembrou o próprio tucano. FH ressaltou que, à época do mensalão, no primeiro mandato de Lula, manifestou-se de forma contrária ao desejo do PSDB de pedir o impeachment do petista.

— Lula foi o primeiro operário eleito presidente do país, e queriam tirá-lo do poder através de impeachment? Fui contra que o PSDB entrasse com pedido de impedimento à época do mensalão. Até mesmo com a Dilma (Rousseff, ex-presidente), fui resistente à ideia do impeachment, até que o governo parou — diz FH. — O impeachment não pode ser ponto de partida, isso é golpe. Agora, quando o governo deixa de governar, o impeachment não é mais ponto de partida, é consequência.

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