quarta-feira, 5 de outubro de 2016

O colapso do PT - Cristiano Romero

- Valor Econômico

• Não há projeto de poder que resista ao desastre econômico de Dilma

A fragorosa derrota do PT nas eleições municipais não resulta do envolvimento de suas principais lideranças em escândalos de corrupção. Isso não teria sido suficiente para promover tamanho encolhimento - a sigla perdeu 382 prefeituras em relação ao pleito de 2012, caindo do 3º para o 10º lugar no ranking de municípios sob sua gestão. Fernando Haddad, prefeito de São Paulo, não está na Lava-Jato e, mesmo assim, teve bem menos votos agora do que no 1º turno de 2012.

A corrupção, claro, tem seu lugar na debacle do PT, partido que antes da chegada de Lula ao poder procurou se firmar como defensor intransigente da ética na política. Haddad, evidentemente, cometeu seus próprios erros, uma vez que o índice de rejeição à sua gestão se aproxima de 50%. Mas é inegável que a principal razão da ruína do projeto petista de poder está na economia. Mesmo o impeachment de Dilma Rousseff dificilmente teria prosperado, não fosse a tragédia econômica que seu governo impôs ao país.

2016 é o reverso de 2002. Naquele ano, mesmo desconfiada de alguns propósitos do PT, a maioria dos eleitores deu um voto de confiança a Lula, então em sua quarta disputa pela Presidência da República. O ex-sindicalista desembarcou em Brasília sob forte desconfiança graças ao discurso anacrônico, construído em mais de 20 anos de oposição.

Instalado no poder, Lula, contudo, abraçou o projeto de estabilização herdado de Fernando Henrique Cardoso; nomeou um banqueiro, eleito deputado pelo partido rival (o PSDB), para o comando do Banco Central - Henrique Meirelles -; abrigou um representante da Fiesp na pasta da Indústria e Comércio - Luiz Fernando Furlan -; e entregou a Agricultura aos cuidados de um expoente do agronegócio - Roberto Rodrigues.

Os críticos mais ácidos afirmam que Lula só deu certo porque o mundo, naquele período de muita prosperidade, ajudou. O mundo, de fato, ajudou, mas isso não teria ocorrido se Lula tivesse trilhado, por exemplo, o caminho escolhido por Dilma oito anos depois. As coisas caminharam bem porque, ao fortalecer os pilares do tripé de política econômica - geração de superávits primários, câmbio flutuante e metas para inflação -, o presidente deu credibilidade à política econômica, o que fez com que os empresários, num curto de espaço de tempo, voltassem a investir.

O registro é necessário, até para se medir a desconstrução promovida adiante pela sucessora: Lula, o líder sindicalista e de esquerda, aumentou a disciplina fiscal, fortaleceu o câmbio flutuante ao promover forte acumulação de reservas e elegeu a desinflação como prioridade - o IPCA recuou de 12,53% em 2002 para 3,14% em 2006. Além disso, fez o impensável ao propor a reforma que igualou os regimes de previdência, acabando com a aposentadoria integral dos funcionários públicos.

No fundo, Lula estava atualizando o pensamento econômico da esquerda, como fizeram na década anterior Bill Clinton nos Estados Unidos e Tony Blair na Inglaterra. Era um avanço importante porque, sendo o PT hegemônico no campo da esquerda, dificilmente haveria espaço novamente para aventuras populistas na economia.

Mas, aí, em 2005, veio o mensalão, escândalo que não conseguiu apear Lula do poder, mas o empurrou para a esquerda na frente de partidos que o apoiava. Quando nomeou Dilma para a Casa Civil, o presidente fez um primeiro aceno às esquerdas. Na sequência, colocou sindicalistas em cargos estratégicos e estendeu a receita do imposto sindical às centrais, realizando feito inédito desde o getulismo: a unificação do movimento sindical.

Lula viu no mensalão um lance das elites para tirá-lo da presidência. A resposta foi privilegiar sua base social dali em diante. No segundo mandato, ele montou um ministério bem diferente. Na economia, com exceção de Meirelles, que permaneceu no BC, os postos-chave foram ocupados por críticos da política econômica do primeiro mandato - sim, aquela que deu certo! Não se tenha dúvida: os economistas do Lula 2 tramavam, desde o Lula 1, tomar as rédeas e fazer tudo diferente.

Localizada no centro do poder e já candidata na cabeça de Lula, Dilma imprimiu sua marca nacional-desenvolvimentista, base da ruína que viria anos depois: concessão de pesados subsídios a empresas previamente definidas pelo governo como "campeãs nacionais"; protagonismo do Estado, ainda deficitário, nos investimentos em infraestrutura (PAC); mudança do modelo de exploração de petróleo - de concessão para partilha - para assegurar à União a propriedade do óleo extraído; tentativa de tornar a Petrobras novamente monopolista; adoção de política de conteúdo nacional, incentivo para a ineficiência e a corrupção.

A tragédia dos anos recentes só não se consumou ainda na gestão Lula porque este teve a sagacidade de desconfiar da sanha "desenvolvimentista" de Dilma. Na dúvida, manteve Meirelles no BC, sofrendo todo tipo de pressão, mas segurando o rojão.

Embalado pela rápida recuperação da crise mundial de 2008-2009, Lula elegeu Dilma como sua sucessora em 2010. Desconfiado quanto às ideias dela para a economia, impôs-lhe Antonio Palocci, ministro da Fazenda que liderou o pragmatismo do primeiro mandato e que sob Dilma seria o guardião da responsabilidade fiscal e monetária. Este durou pouco no cargo, apenas seis meses - hoje, um conselheiro de Dilma revela que partiu dela a operação para derrubar Palocci.

Após a queda do ministro, Dilma fez o que sempre quis fazer na economia - mandou baixar os juros na marra, acabando com a autonomia do BC; administrou a taxa de câmbio para artificialmente estimular as exportações; congelou os preços dos combustíveis; reduziu também na marra as tarifas de energia; expandiu, de forma ilimitada, o gasto público; liberou os Estados do cumprimento da meta fiscal; maquiou as contas públicas; obrigou os bancos federais a bancar despesas do orçamento etc.

O resultado: o Brasil está em recessão desde o segundo trimestre de 2014; no atual biênio, o PIB está encolhendo quase 8% e a renda per capita, perto de 10%; a inflação chegou a dois dígitos em 2015, algo que não se via há 14 anos; a taxa de desemprego atingiu 11,8% (ou 12 milhões de desempregados); o déficit público do setor público consolidado (União, estados e municípios) chegou a 10% do PIB e a dívida pública está crescendo quase 20 pontos percentuais do PIB em menos de dois anos; em 2015, o país perdeu o selo de bom pagador, obtido em 2008 depois de quase três décadas de sacrifício na área fiscal.

Não há projeto político que resista a esses números.

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