domingo, 2 de outubro de 2016

O valor do eleitor – Editorial / O Estado de S. Paulo

Há muito tempo os brasileiros comuns pouco ou nada se identificam com a política. Para a maioria dos cidadãos, a política é coisa distante, dos políticos profissionais, geralmente mais empenhados em atender a seus interesses do que aos do País. De grande parte dos candidatos o eleitor nem lembra o nome depois de votar, porque deduz que o sufragado também esquecerá de quem nele votou assim que assumir o cargo. Logo, o ato de votar não é senão uma tediosa obrigação, deixando de servir como o elo fundamental entre o eleitor e o eleito, razão de ser de uma democracia representativa. 

Talvez por esse motivo tão poucos cidadãos até agora se dispuseram, nesta eleição, a doar dinheiro para a campanha de algum candidato. Afinal, não se estabelece da noite para o dia um vínculo que só existe e se solidifica quando o eleitor se convence de que seu candidato fará jus ao voto recebido, na forma de atitudes políticas e de projetos que representem os legítimos anseios da população.

Esse divórcio entre eleitores e políticos ficou suficientemente claro em levantamento publicado recentemente pelo Estado, que revelou que apenas 229 mil pessoas, ou 0,16% do total do eleitorado nacional, decidiram bancar algum candidato. O número de doadores é cerca de metade do número de postulantes a cargos eletivos, o que basta para mostrar a indisposição dos eleitores de colocar a mão no bolso para ajudar seus candidatos.

Sendo esta a primeira eleição em que o financiamento das campanhas não pode ser feito por empresas, trata-se de um dado muito relevante: afinal, espera-se que, na impossibilidade de arrecadar recursos de pessoas jurídicas, os partidos e seus candidatos consigam dinheiro daqueles que pretendem representar – não mais as empresas, como era até agora, mas sim os cidadãos.

No entanto, o baixíssimo número de doadores, que denota o fracasso dos candidatos na tarefa de convencer os eleitores a lhes dar recursos, obrigou os partidos a recorrer ao Fundo Partidário, que deveria se chamar “bolsa partido”, pois financia com verba pública legendas que não têm voto.
Ademais, apenas 1% dos doadores responde por quase um quarto das doações, o que indica forte concentração – os maiores doadores são empresários e políticos abonados, que decerto pretendem ter algum tipo de influência direta sobre os candidatos que generosamente bancaram. 

Por fim, a Justiça Eleitoral identificou doações de R$ 16 milhões por parte de beneficiários do Bolsa Família, o que indica algum tipo de fraude – ou os bolsistas não sabiam que estavam fazendo a doação ou o CPF dos beneficiários está sendo usado para legalizar doações feitas por meio de caixa 2. Para o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, tal situação “deixa uma nuvem não muito transparente sobre esse modelo de doação”.

Ou por ingenuidade ou por ter tido seus interesses contrariados, decerto haverá quem veja em toda essa situação a prova de que é preciso restabelecer o financiamento empresarial, desmoralizando o sistema que restringe as doações às pessoas físicas. Não é por outra razão que há intensa mobilização no Congresso, envolvendo inclusive o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), para restabelecer as doações eleitorais de empresas. “O financiamento de campanha é um assunto que vai ser reaberto. Essa questão estava mais ou menos pacificada antes da eleição, mas o processo vai reabrir o tema”, disse o senador José Agripino Maia (RN), presidente do DEM.

Trata-se de uma falsa questão. As eventuais fraudes na arrecadação de recursos de pessoas físicas nem se comparam com o modelo corrupto envolvendo empresas, partidos e políticos que vigorava até pouco tempo atrás e que, uma vez exposto, levou à proibição das doações de pessoas jurídicas. Não se pode permitir que oportunistas se apeguem a esses casos, ou mesmo à dificuldade de arrecadar recursos de pessoas físicas, para justificar o restabelecimento do antigo sistema de financiamento eleitoral – aquele que transformou a política em um clube fechado, no qual só entram os políticos profissionais e seus poderosos financiadores, deixando de fora o próprio eleitor.

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