domingo, 2 de outubro de 2016

Onde está o erro? - Luiz Carlos Azedo

- Correio Braziliense

• Todos os municípios têm que ter a mesma estrutura, com prefeituras, câmaras, comarcas, não importa se tenha dimensões de grande metrópole ou seja uma simples vila nos cafundós do Brasil

O Brasil vai às urnas hoje com 144 milhões de cidadãos aptos a votarem, em 5.568 municípios, dos quais 1.541 terão identificação biométrica, ou seja, pela impressão digital. Antes da meia-noite, com raras exceções, os eleitores já saberão os nomes dos eleitos e dos candidatos que disputarão o segundo turno, no caso das cidades com mais de duzentos mil eleitores, graças às urnas eletrônicas e à apuração instantânea. Não há outro país capaz de realizar eleições dessa envergadura num só dia, sem fraudes nas votações. China, Índia, Rússia, México e mesmo os Estados Unidos, a democracia mais antiga, não têm uma democracia de massas mais representativa.

Entretanto, realizamos eleições com o país mergulhado numa crise tríplice — econômica, política e ética —, que ganha características de grave crise social, por causa de 12 milhões de trabalhadores desempregados. O impeachment da presidente Dilma Rousseff, uma saída para crise política, por si só, não resolveu a crise econômica, nem a crise ética. São dimensões e tempos diferentes da “grande crise” que enfrentamos. As eleições municipais, porém, são um passo adiante na busca de soluções para os problemas da população e a renovação dos costumes e de políticos. Um passo curto, é verdade, mas uma demonstração de que a democracia brasileira está viva.

O que há de errado na política brasileira? Não é o voto direto, secreto e universal, ainda que existam dúvidas quanto à eficácia do voto obrigatório e do presidencialismo. Com um país tão desigual, com tantas injustiças encruadas e velhas oligarquias encasteladas nos diversos níveis de poder, as eleições municipais ainda são uma oportunidade de renovar a política, os partidos e os governantes. De encontrar soluções e superar desafios. Não se pode deixar de reconhecer, porém, a existência de obstáculos à renovação política.

A primeira pista talvez esteja na formação do Estado brasileiro, a partir da Constituição de 1824, outorgada por D. Pedro I. Os municípios continuaram regidos pelas Ordenações Filipinas (o código jurídico de Felipe II, da Espanha, baixado durante a União Ibérica), reproduzidas no primeiro regimento das câmaras municipais do Império, de 1828, que foi alterado brandamente pelo Ato Adicional de 1834. Essa foi a lei orgânica dos municípios brasileiros até a proclamação da República (1889). A Constituição de 1891, porém, manteve a tradição de que os municípios fossem regidos por um único diploma legal, que passou à competência das Assembleias Legislativas estaduais na Primeira República.

Durante o regime militar, a Lei Complementar nº 1, de 1967 engessou de vez a legislação. Somente com a Constituição de 1988, deu competência às câmaras municipais para elaborarem as leis orgânicas e considerou os municípios entes autônomos e federados, mas suas estruturas continuaram engessadas e padronizadas, nacionalmente. O resultado é que todos os municípios têm que ter a mesma estrutura, com prefeituras, câmaras, comarcas, não importa se tenha as dimensões de grande metrópole ou seja uma simples vila nos cafundós do Brasil.

O sistema
Além disso, têm as mesmas atribuições, impostos e obrigações orçamentárias, independentemente do número de habitantes e atividades produtivas, o que acaba estimulando a constituição de municípios sem capacidade de financiamento, com a criação de burocracias e estruturas políticas insustentáveis. E também dificultam a resolução de problemas regionais, especialmente nas cidades conurbadas, mesmo diante da possibilidade de formação de consórcios intermunicipais e regiões metropolitanas. Na prática, governadores ainda se relacionam com os prefeitos como nos tempos dos interventores da ditadura de Getúlio Vargas. “Na cuia do cachorro, a galinha bebe água”, diria o mestre Câmara Cascudo (in Coisas que o povo diz, Editora Bloch).

A outra pista é o atual sistema eleitoral, que se baseia nos votos uninominal proporcional (parlamentares) e majoritário (governantes e senadores). A história das eleições municipais começa em 1532, quando os moradores da vila de São Vicente elegeram os representantes que determinariam os componentes do conselho municipal. O voto distrital ou distrital misto, que diminuiria o número de candidatos e reduziria o custo das eleições, poderia ter sido introduzido nas eleições majoritárias desde ano por lei ordinária, ou seja, sem emenda à Constituição de 1988. Os grandes partidos, porém, se recusam à mudança porque a atual legislação facilita um certo controle sobre o resultado das eleições, seja por causa do coeficiente eleitoral, seja porque a distribuição do tempo de televisão e dos recursos do fundo partidário não leva em conta a votação dos partidos nas eleições majoritárias e proporcionais, em níveis municipal, estadual ou federal. Somente considera as bancadas de deputados federais eleitas.

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