quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Receita de FH - Rosângela Bittar

- Valor Econômico

• O presidente necessário não saiu das municipais

A resposta dada por José Serra, ex-candidato a presidente da República, ex-prefeito, ex-governador, ex-deputado, ex-senador, atual ministro de Estado, quando lhe foi pedido um comentário sobre as eleições municipais, foi um soco no eleitorado. Serra se declarou impossibilitado de avaliar porque sua atenção está concentrada na diplomacia.

O PSDB, vamos contar a um dos seus supostos líderes, saiu fortalecido da primeira etapa das eleições municipais, não só pela vitória em primeiro turno de João Doria, em São Paulo, mas pela conquista de muitas novas prefeituras Brasil afora. A candidatura de Doria, uma indicação do governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, que se fortalece para a disputa presidencial de 2018 com sua vitória, provocou fissura no PSDB, ainda não recuperada. Alguns serristas permanecem inconformados, mesmo após as prévias, mesmo após vencerem no primeiro turno, e ainda ameaçam deixar o partido.

Serra é nome cativo na lista de presidenciáveis, seja pelo seu atual partido seja pelo PMDB de Michel Temer (mais difícil e remoto) seja pelo PSD de Gilberto Kassab (sempre à sua disposição), se não conseguir legenda sem disputar em prévias. A sua indiferença é estudada.

A disputa prévia é traumática em todos os desacostumados partidos brasileiros, mas no PSDB parece pior. Partido de uma caciquia soberba, a prévia é tiro mortal. É uma guerra no grupo de São Paulo, uma guerra desse grupo com o grupo de Minas, com o grupo do Ceará, com o grupo do Nordeste em geral. Mas não se vislumbra, a esta distância, outra solução.

O presidente do partido, Aécio Neves, outro dos concorrentes a candidato, em vantagem porque tem o controle da máquina, fez um balanço do desempenho do PSDB nas eleições municipais mas não foi poupado de pedido de definição na disputa interna por 2018. Como eles só pensam nisso, seus questionadores facilitam. Aí, defendeu a escolha do candidato por eleições prévias.

Assunto que, hoje, ainda fresco no diretório o caso de São Paulo, é corda em casa de enforcados sob a liderança de Geraldo Alckmin. É preciso ver também o que vai querer o senador Tasso Jereissati, do Ceará. E também o senador Cássio Cunha Lima, da Paraíba, que começa a entrar nesta história como a maior revelação partidária do período de votação do impeachment. Longe estão os do PSDB de uma opção, uma opinião convergente, uma definição.

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, chamado a mediar o eterno conflito sempre que se torna aguda a disputa interna, deu, em artigo publicado no dia das eleições, uma receita básica do que considera o presidente brasileiro necessário neste momento. "Precisamos de uma candidatura presidencial que seja fiscalmente responsável, socialmente progressista e culturalmente liberal".

Figurino difícil de vestir no seu partido. Fernando Henrique acha que essa candidatura deve ajudar a desenhar um novo campo político, "que seja de centro-esquerda, mas plural e sem pretensões hegemônicas deste ou daquele partido". Desacorçoado, FH lembra que não deve ser um campo orientado por critérios de classe, mas voltado para o "interesse das maiorias não ricas do país".

Diz mais: "Os partidos que não se derem conta de que a sociedade mudou e continuarem a girar no esplêndido isolamento do mundo congressual poderão continuar existindo, mas apenas como representação dos interesses daqueles que os controlam. Os fios entre a sociedade e o Estado se tornarão ainda mais frágeis, e esse vazio pode ser ocupado por formas de representação e organização de interesses altamente nocivas à democracia e convivência civilizada".

A agenda de reformas do atual governo, diz o ex-presidente, é oportunidade para "devolver grandeza à política". Os partidos deveriam não apenas votá-las, mas convencer a sociedade da razão de seu voto e, nesse debate, começar a desenhar visões sobre o Brasil para além de 2018. Fortalecido pelas municipais, o PSDB deve tomar a dianteira nessa tarefa, é a recomendação de FH.

Pois bem, quem no PSDB se habilita? Serra confessa que nem acompanhou a municipal. A disputa de segundo turno em Belo Horizonte, ganhe quem ganhar, não dará ponto à liderança do Aécio, tão ausente lá e alhures, mas aos torcedores do Atlético. E Alckmin venceu obstáculos às custas de rompimentos e queima de caravelas. A eleição pacificou sua liderança em um grupo, não no todo, pois o PSDB gosta de brigar com os fatos.

Ninguém deve sair do partido, nem Serra para o PSD ou PMDB, nem Alckmin para o PSB. Por enquanto levarão a tensão até o fim, ou seja, o prazo da lei eleitoral. A gangorra é instrumento da correlação de forças no PSDB, o único partido que ainda tem um Fernando Henrique Cardoso na mediação. Deveria aproveitar-se dele ao máximo, sob pena de ficar sem consequência a vitória que contabiliza na eleição de domingo.

Transmutação
A Odebrecht intensificou o trabalho de reconstrução de sua imagem, embora ainda não dê divulgação ao desenho final do que pretende ser a partir de agora. Sua equipe de comunicação trabalha intensamente com a assessoria do setor jurídico. Uma transformação que será levada adiante de forma concomitante com a delação do grupo da empresa, uma bomba para fazer estrago no já destruído meio político e empresarial.

Ainda não se sabe quais empresas da companhia irão sobreviver, que tamanho ficará a Odebrecht, qual o valor das multas que terá que pagar (em negociação na Procuradoria-Geral da República), mas já se sabe que a virada será radical. A empresa transformará sua relação com o poder público de A a Z.

O acordo de delação, tantas vezes adiado, ultrapassou a data da última procrastinação, estava combinado para fim de setembro. O acordo da pessoa física vai ter ainda que ser homologado por Teori Zavascki, que precisará de uns dois meses após ser firmado para assiná-lo, pois envolve políticos com foro privilegiado. O outro é o de leniência, e nele atuam o juiz Sergio Moro, a PGR, o Cade, o Ministério da Transparência, entre outras instituições.

Internamente espera-se muito sofrimento, com cortes de orçamento e demissões. Por ter sido uma superempresa, diversificada, o baque será maior. Ainda hoje, depois de tudo, pesquisas internas mostram que a Odebrecht oscila entre o primeiro e o segundo lugar entre as empresas dos sonhos dos jovens para se iniciarem no mundo do trabalho.

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