segunda-feira, 17 de outubro de 2016

Troca no comando do PT ameaça rachar o partido

• Data e formato da escolha da nova direção partidária contrapõem grupo formado por correntes de esquerda e ala majoritária; dirigentes falam em debandada

Ricardo Galhardo - O Estado de S. Paulo

Sem acordo com a ala majoritária sobre a forma de escolha da nova direção e, principalmente, sobre o rumo que o PT deve seguir para tentar uma reconstrução, dirigentes da esquerda petista já admitem um racha no partido.

A crise na legenda ficou exposta na sexta-feira, quando o Muda PT, grupo que reúne as cinco maiores correntes de esquerda do partido, divulgou um documento no qual anuncia a realização de uma série de plenárias em algumas das principais cidades do País.

O objetivo dos encontros é mobilizar militantes descontentes com o rumo do partido para pressionar a corrente majoritária, Construindo um Novo Brasil (CNB), a não adiar para 2017 a renovação da direção petista.

A primeira plenária será nesta segunda-feira, 17, em Brasília, e a segunda no dia 27, em Porto Alegre. Na pauta do Muda PT estão o início, ainda neste ano, dos debates para um congresso nacional que teria plenos poderes para decidir, por meio do voto de delegados, a nova direção, mudanças no programa partidário e a adoção de padrões de conduta ética para todos os filiados.

A CNB tenta protelar a data do congresso para abril do ano que vem e defende a escolha da nova direção por meio de um Processo de Eleições Diretas (PED), conforme determina o estatuto do PT. Em resposta ao Muda PT, a CNB divulgou um texto, no sábado, 15, no qual reitera a defesa da manutenção do PED.

A divergência pode levar a um racha, admitem dirigentes. “É possível que o grupo que quer PED faça um PED e o grupo que quer um congresso faça um congresso? Não sei. Pode ser. Acho que estão se anunciando rumos diferentes. A outra via pode estar pensando ‘vamos nos livrar dessa grande minoria’”, disse o secretário nacional de Formação do PT, Carlos Árabe, integrante da corrente Mensagem ao Partido. Para ele, a crise é diferente de outras disputas internas que marcaram a história do PT. “Os melhores momentos do PT foram quando a luta interna dava alguma síntese. Agora não é isso”, afirmou Árabe.

Integrantes da CNB estão irredutíveis quanto ao calendário e à forma de escolha da nova direção. “Está tendo um açodamento. (As plenárias da esquerda) Têm como objetivo somente ganhar a direção do PT”, disse um dos vice-presidentes do partido, Jorge Coelho. Segundo ele, “uma parte (da esquerda) está se preparando para sair” do PT.

Debandada. Diante da pior crise da história do partido – que perdeu a Presidência após 13 anos, sofreu uma das mais significativas derrotas nas eleições municipais e tem alguns de seus principais líderes presos ou na mira da Justiça por acusações de corrupção –, dirigentes admitem reservadamente que o PT deve sofrer uma nova debandada, agora de parlamentares que temem não se reeleger por causa do desgaste da imagem do partido. Alguns dirigentes calculam que até a metade da bancada petista na Câmara pode deixar o partido.

Em reunião da Executiva Nacional, neste segundo semestre, um dirigente questionou: “Não seria o caso de mudarmos o nome e o símbolo do PT?”

Líderes defendem a criação de uma frente de esquerda com PCdoB, PSOL, PDT e Rede. Em reunião de integrantes da Frente Brasil Popular – formada por partidos progressistas e movimentos sociais – um influente petista sugeriu que a frente passasse a aceitar filiações individuais, para disputar eleições.

Uma das poucas esperanças de manutenção da unidade do PT é que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva aceite presidir o partido por um ano e comande uma reconstrução. Semana passada, no entanto, Lula iniciou uma rodada de conversas com as principais forças do partido. O primeiro grupo a ser recebido foi a CNB. Na ocasião, Lula rejeitou categoricamente a possibilidade de presidir o PT.

Para ex-ministro, renovação não deve ser prioridade
Ex-ministro da Secretaria-Geral da Presidência no governo Luiz Inácio Lula da Silva, Gilberto Carvalho, um dos petistas mais próximos do ex-presidente, disse que, em vez de se digladiarem pelo controle da direção petista, as principais correntes do partido deveriam manter o foco em problemas maiores que o PT enfrenta hoje.

“Amanhã o Lula pode ser condenado, pode ser preso, e não vai adiantar nada ter PED (Processo de Eleição Direta) ou congresso. Isso é o de menos neste momento. Me assusta que o tema dominante esteja sendo este”, afirmou Carvalho. Segundo ele, o foco do PT deveria ser a mobilização contra a agenda de reformas do governo Michel Temer.

“Acho inadequado que em um momento tão grave como este que estamos vivendo, em que o País está sendo atropelado por medidas do governo Temer, que gente importante do partido esteja se dando o tempo de pensar mais nas coisas de renovação da direção do que em uma união fundamental ao PT.”

Carvalho defendeu a união do partido em apoio à atual direção, em vez de fragilizá-la. “Tem que dar força para esta direção ficar de pé porque, quer queira quer não, esta direção vai levar o partido no mínimo até março ou abril. São seis meses fundamentais para a gente depois deste massacre eleitoral”, disse.

4 perguntas para Carlos Árabe, secretário nacional de Formação do PT

1. As disputas internas em meio à crise podem levar a um racha no PT?

Se o congresso nacional do PT não sair e a maioria impedir sua realização vamos ter que olhar os filiados do PT que estão interessados em uma mudança radical no partido, ver as forças que acumulamos e pensar no que vamos fazer.

2. O que as correntes petistas da esquerda devem fazer caso a maioria barre a realização do congresso?

Se a maioria não quiser vamos chamar um encontro nacional informal para ver qual o rumo que devemos tomar. Chegou ao limite a nossa cota de martírio.

3. Qual o rumo que o senhor defende para o PT?

É evidente que o PT está vivendo uma enorme crise. Estamos sendo impedidos de chegar às prefeituras porque levamos o rótulo de corruptos. Assim não tem como fazer política. A maioria esmagadora dos petistas não fez nada nem aprovou nada do que está sendo investigado. Por isso precisamos fazer uma autocrítica. E o mesmo não acontece com outros partidos que têm gente envolvida na Lava Jato. A corrupção é uma cortina de fumaça para excluir o PT. Existe uma seletividade.

4. Como o senhor acha que deveria ser feita essa autocrítica?

De quem é a responsabilidade pelo que aconteceu no PT nesse último período? A autocrítica tem que começar por quem fez algo. Não vou fazer autocrítica de algo que não fiz. Sou da direção nacional há décadas e nunca aprovei nada disso. Foi tudo feito à revelia de milhares de filiados. A direção tem que provar que não houve nada errado ou pôr para fora quem fez

Nenhum comentário:

Postar um comentário