sábado, 12 de novembro de 2016

Populismo, o "novo normal" do século XXI

Por Fernanda Godoy | Valor Econômico

MADRI - A eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos leva o populismo de direita a ocupar um novo espaço em escala global. A partir de agora, ele faz parte do "novo normal". O êxito de Trump pode impulsionar candidatos xenófobos, anti-establishment, antiglobalização, na Europa e em outros lugares do mundo, de acordo com previsões de especialistas.

"Ao vencer, Trump dá um estímulo importante para os candidatos outsiders, porque essas correntes passam a ser vistas como opções de governo. A campanha eleitoral dos Estados Unidos foi um poderoso amplificador, um megafone para essas ideias, que ganharam respeitabilidade", diz o historiador Xavier Casals, professor da Universidade de Barcelona, especialista em movimentos de extrema-direita.

Para o historiador, o resultado obtido por Trump se soma à vitória do Brexit, ao mostrar que opções que pareciam condenadas ao fracasso ou ao voto de protesto podem ter sucesso.

Nos próximos seis meses, haverá ao menos três importantes eleições na Europa, nas quais a extrema-direita terá papel de destaque. Em dezembro, haverá repetição do pleito presidencial na Áustria, com o candidato do ultradireitista Partido da Liberdade da Áustria, Norbert Hofer, concorrendo com o Partido Verde.

Na primavera europeia, o Partido da Liberdade concorrerá às eleições legislativas na Holanda defendendo o "Nexit", a saída da Holanda (Netherlands) da União Europeia, seguindo os passos do Reino Unido. E a França realizará eleições presidenciais tendo Marine Le Pen, da Frente Nacional, como forte candidata, e o ex-presidente Nicolas Sarkozy (do Republicanos, de centro-direita) se aproximando de propostas extremistas.

O historiador nota que o poder de influência desses partidos extremistas vai além de seus votos e já se estende à agenda dos partidos tradicionais. Ele cita o fato de Sarkozy ter ameaçado, se eleito, cassar o direito de reagrupação familiar dos imigrantes e de a primeira-ministra britânica, Theresa May (Partido Conservador), ter pedido que as empresas forneçam ao governo listas de trabalhadores estrangeiros.

"As vozes mais estridente dos líderes desses movimentos populistas põem sobre a mesa temas dos quais os políticos dos grandes partidos não se atreviam a tratar, propondo soluções demagógicas", diz Casals.

A eurodeputada portuguesa Ana Gomes, do PS (Partido Socialista), considera a eleição de Trump um "retrocesso civilizatório" não só para os EUA, mas para o mundo. Ela diz acreditar que o momento é favorável ao crescimento dos discursos populistas na Europa e que os partidos tradicionais, inclusive os social-democratas como o PS, que atualmente comanda o governo de Portugal, devem assumir sua parcela de responsabilidade.

"Há dificuldade de lidar com os aspectos mais negativos, mais nocivos da globalização, e com o fato de termos cada vez mais desigualdade, mais gente excluída, como fruto das receitas neoliberais, da austeridade cega. É preciso aprender a lição e rapidamente retirar o gás dessas forças populistas", diz Ana, integrante da Comissão de Relações Europa-Estados Unidos do Parlamento Europeu.

O jornalista americano John B. Judis estudou o tema para do livro "The Populist Explosion: How the Great Recession Transformed American and European Politics" (A explosão populista: como a Grande Recessão transformou a política europeia e americana), lançado neste ano pela Columbia Global Reports. Ele localiza na crise financeira de 2008 a gênese da onda de populismo atual nos EUA e na Europa.

"A recessão fez aflorar preocupações com o livre comércio, com a mudança das corporações para outros continentes, com os bancos, fez aumentar o desconforto com a competição com imigrantes por trabalho", diz Judis. "Também fez crescer o incômodo com os aumentos de impostos para sustentar medidas de bem-estar social, como seguro-desemprego e Obamacare", completou.

Conhecida como Obamacare, a reforma da saúde implementada no primeiro mandato do presidente Barack Obama está na raiz do surgimento do ultraconservador Tea Party, germe do novo tipo de conservadorismo que desembocou na candidatura Trump.

Paralelamente, surgiria o movimento de esquerda Occupy Wall Street, criado em 2011 como resposta à crise financeira, cujas ideias animaram a candidatura do senador Bernie Sanders às primárias do Partido Democrata em 2016. Segundo Casals, não se deve fazer uma associação mecânica entre crise econômica e ascensão do populismo.

"Há um voto contra o establishment, contra as elites, percebidas como afastadas da vida da população. É uma revolta antielitista, antiglobalização, antes de ser uma revolta da direita", afirma o historiador.

Para a deputada Ana Gomes, esses são fatores que o establishment político precisa examinar atentamente. "Nem todos os que apoiam Trump são estúpidos, reacionários e racistas. Há pessoas que estão zangadas com a globalização por causa da incapacidade de regular o comércio internacional", afirma a deputada.


Em seu discurso de vitória, Trump declarou que havia comandado um movimento, não uma campanha, e que esse movimento estava apenas começando. Para Xavier Casals, ainda é uma incógnita se o presidente eleito governará apoiado em um movimento popular. "Os líderes populistas nunca querem se apresentar como representantes de partidos, mas, sim, de movimentos cidadãos, de outsiders que querem acabar com o sistema. No momento, qualquer prognóstico seria especulação", diz Casals.

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