terça-feira, 15 de novembro de 2016

Pressão e recuo

• Após críticas, relator desiste de proposta para endurecer lei contra procuradores e juízes

Jailton Carvalho, Carolina de Brígido e Manoel Ventura - O Globo

-BRASÍLIA- Procuradores da Operação Lava-Jato e juízes reagiram ontem contra iniciativas do Congresso para tentar limitar seus poderes. Enquanto integrantes do Ministério Público foram reclamar na Câmara dos Deputados das alterações propostas no projeto das dez medidas contra a corrupção, presidentes dos Tribunais de Justiça se reuniram com a presidente do Supremo Tribunal Federal, ministra Cármen Lúcia, e protestaram contra a iniciativa do Senado de criar uma comissão para caçar os supersalários do serviço público.

Em meio às pressões, e depois de um dia inteiro de conversas, os procuradores já conseguiram uma primeira vitória. O deputado Onyx Lorenzoni (DEM-RS), relator do projeto contra a corrupção, anunciou que vai tirar de seu texto a proposta de tipificar o crime de responsabilidade cometido por integrantes do Ministério Público e por juízes.

Onyx disse que o tema pode ser discutido em outro momento, longe do debate sobre as medidas contra desvios de dinheiro público. O procurador admitiu a mudança no texto depois de participar de reunião de mais de seis horas com procuradores da República de Brasília e de Curitiba. A tipificação de crime de responsabilidade para procuradores, promotores e juízes era, até então, um dos pontos do relatório de Onyx que mais preocupavam o Ministério Público. Para os procuradores, a proposta podia ser considerada uma camisa de força contra investigadores e juízes que estão à frente de investigações, especialmente daquelas que atingem políticos e autoridades. Hoje, a lei só alcança ministros do Supremo Tribunal Federal e o procurador-geral da República.

— Não dá para, neste momento, manter ações que querem confrontar investigações, que querem calar investigadores. (A tipificação) Não poderia estar misturada a uma tese que nós apresentamos no nosso relatório — disse Onyx Lorenzoni. O recuo agradou aos procuradores. — Saímos contentes e reconhecendo a diligência da comissão, a abertura e, o que mais nos impressiona, a humildade de reconhecer pontos que podem ser melhorados — disse o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba.

O procurador disse que gostou das linhas gerais do relatório de Onyx. Para ele, o relator manteve o núcleo central das principais medidas do pacote anticorrupção. Onyx também se reuniu ontem com o diretor da Polícia Federal, Leandro Daiello, e disse que deverá acolher “99,99%, se não 100%”, dos pedidos feitos pelo delegado em relação ao projeto.

REUNIÃO NO SUPREMO
Reunidos ontem com Cármen Lúcia no STF, presidentes de Tribunais de Justiça reclamaram da comissão criada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), para passar um pente-fino nos supersalários do Judiciário. A atitude do senador foi vista como retaliação aos magistrados, em resposta às investigações da Lava-Jato contra parlamentares.

Os 26 presidentes de tribunais presentes ao encontro ficaram divididos: para uns, foi retaliação de Renan; para outros, o assunto precisa mesmo ser discutido no Congresso Nacional. Segundo fontes, Cármen Lúcia não se posicionou sobre o assunto.

Reportagem publicada pelo GLOBO em outubro revelou que 75% dos juízes recebem vencimentos em valores superiores ao teto do funcionalismo público, que hoje é de R$ 33,7 mil. O presidente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, desembargador Mario Machado Vieira Netto, foi um dos que defenderam os salários da categoria:

— O magistrado faz um trabalho muito seleto e de muita responsabilidade, e tem que ganhar um salário que seja razoável. Isso varia para cada um, de acordo com sua posição para a sociedade. No setor jurídico, o profissional que tem uma responsabilidade tem que ser bem-remunerado.

Para o presidente do TJ de Sergipe, desembargador Luiz Mendonça, não é o momento ideal de discutir vencimentos da magistratura:

— A questão salarial, neste momento, não é importante para o Judiciário. O que o Judiciário tem maior preocupação é com uma prestação jurisdicional de qualidade e efetividade.

Ao ser questionado sobre a eventual retaliação de Renan, desconversou:

— A gente não tem que estar preocupado com essas situações. A gente tem que estar mais preocupado é com o que a população quer do Judiciário.

Mesmo não tendo se manifestado sobre os supersalários na reunião, Cármen Lúcia está preocupada com o assunto. Amanhã, ela vai receber no STF os integrantes da comissão do Senado.

Na reunião, nem todos concordaram que a discussão sobre salários é retaliação. O presidente do TJ do Rio Grande do Norte, desembargador Cláudio Santos, defendeu que o tema seja discutido abertamente no Congresso:

— Foi discutido por alguns presidentes dos tribunais se foi realmente retaliação contra o Poder Judiciário, mas não foi assim que foi entendido pela grande maioria. É uma discussão pública, e acho que todas as grandes discussões nacionais devem passar pelo Congresso, que é o fórum próprio de discussões de problemas de todo o Brasil.

Santos criticou o alto custo do Judiciário e defendeu a regularização do auxílio-moradia como forma de melhorar a imagem dos juízes. Ontem, o ministro Luís Roberto Barroso, do STF, liberou para a pauta de julgamentos do plenário um processo sobre a legalidade do pagamento de auxílio-moradia a juízes.

— Essa gratificação relativa ao auxílio-moradia, acho que isso tem que ser resolvido. Não é bom para a imagem do Judiciário, não é absolutamente compreensível pelo cidadão comum. Em vez de se pedir aumento, deveria ser incorporado ao subsídio — reclamou o desembargador Santos.

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