segunda-feira, 7 de novembro de 2016

Rio poderá demitir servidores, diz Pezão

Por Heloisa Magalhães, Rafael Rosas e Claudia Schüffner – Valor Econômico

RIO - O governo do Estado do Rio de Janeiro ultrapassou o limite de endividamento estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e tem proteção legal para demitir servidores, diz o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB). Mas, em entrevista ao Valor, ele afirma que irá evitar ao máximo esse caminho. Para ele, o a saída é realizar um profundo e duro processo para ajuste nas contas públicas.

O objetivo de Pezão, que anunciou sexta-feira um pacote fiscal, é evitar um deficit projetado em R$ 52 bilhões até dezembro de 2018. Este ano chega a R$ 17,5 bilhões, sendo que o Rio Previdência responde por R$ 12 bilhões desse total. Se aprovadas integralmente, as medidas devem gerar economia de R$ 13,3 bilhões em 2017 e R$ 14,6 bilhões em 2018.

Pezão voltou ao governo no início da semana passada após tratamento contra um câncer. Admite que as medidas são impopulares, mas diz que não tinha alternativa. Uma das medidas de grande impacto será a nova alíquota previdenciária de 30%.

Caso aprovada a proposta na Assembleia Legislativa (Alerj), todos os servidores terão desconto de 30% dos vencimentos para a previdência durante um ano e quatro meses. Quem ganha mais de R$ 5.189,82 terá aumento da contribuição de 11% para 14% do salário, tendo ainda uma alíquota extraordinária de 16% que vai vigorar por pelo menos 16 meses. Período considerado insuficiente para cobrir o déficit, a medida poderá se estender por período muito mais logo.

A proposta vem em momento preocupante, já que a falta de recursos e o atraso no pagamento de fornecedores prejudica a prestação de serviços públicos e os mais sensíveis para a população, especialmente nas áreas de saúde e segurança. Pezão admite a gravidade, mas indagado, afirma que não foi erro de gestão e que a situação foi provocada pela arrecadação, que despencou.

O pacote fiscal proposto precisará superar barreiras. Além de decretos já publicados no "Diário Oficial" do Estado, foram enviados 22 projetos de lei para a Assembleia. É prevista a judicialização das medidas, que vão enfrentar intensa resistência entre os servidores e inativos. Sindicatos já planejam uma força-tarefa para tentar barrar as medidas na Alerj.

Para conter o aumento de despesas com pessoal, que devem consumir R$ 40 bilhões em 2016, o equivalente a quase 65% das despesas totais do Estado, o governo quer suspender por três anos aumentos para funcionários da área de segurança pública, bombeiros e auditores fiscais. Segundo a Fazenda, as postergações evitam alta de R$ 835 milhões na folha de pagamentos em 2017, de R$ 1,5 bilhão em 2018 e de R$ 2,3 bilhões em 2019.

De acordo com o que foi chamado de pacote de austeridade, os gastos com a previdência dos servidores de Poderes e órgãos autônomos, como Tribunal de Contas do Estado, Assembleia Legislativa, Tribunal de Justiça e Ministério Público Estadual, entre outros, passam a ser de responsabilidade dos próprios órgãos. A proposta passa a valer a partir de 2018, o que representará alívio de R$ 2 bilhões para o Executivo em 2022, segundo projeções. Uma reestruturação administrativa reduzirá o número de secretarias de 20 para 12 e serão extintas 7 autarquias e fundações.

As medidas estabelecem o fim de programas de assistência à população de baixa renda, como Restaurante Cidadão (que será extinto até 2017, caso não seja municipalizado), o Aluguel Social, e o Renda Melhor e Renda Melhor Jovem. Segundo Pezão, no entanto, há empresários se oferecendo para contribuir e evitar o fim de parte dos programas.

Especialistas ouvidos pelo Valor dizem ser um "tiro no pé" o decreto de aumento das alíquotas de ICMS para energia, bebidas, gasolina C, telecomunicações e cigarros, porque deixa o Estado menos atrativo para investidores. 

A seguir, os principais trechos da entrevista:

• Valor: O sr. se reuniu sexta-feira com secretários de Fazenda estaduais. Como avaliaram as medidas anunciadas por seu governo?
Luiz Fernando Pezão: Todo mundo gostou muito e pediram uma cópia. Mas o debate era sobre previdência. Estamos preparando [com secretários de outros Estados] um projeto para entregar ao presidente Michel Temer.

• Valor: Como é esse projeto?
Pezão: É um pouco do que apresentamos: aumento de alíquota da previdência, o equilíbrio das previdências públicas, aumento de idade, um pouco do que o governo federal está fazendo. O Marcelo Caetano [secretário de Previdência Social, vinculado ao Ministério da Fazenda], quem toca isso pelo governo federal, estava no debate. Uma das coisas que apresentamos, e a equipe econômica ainda não sinalizou positivamente, é a gente ter um fundo de securitização de ativos, de ações de empresas, dívida ativa, royalty de petróleo, royalty da água, cada Estado tem o seu. E a gente está fazendo uma transição para o governo federal poder auxiliar as previdências públicas. Mas ainda não conseguimos avançar nisso.

• "Estouramos o limite. Diminuímos a dívida e estouramos o limite, devido à queda da arrecadação"

• Valor: O que aconteceu no Rio? O Estado errou na administração? Tem funcionário demais?
Pezão: Não erramos. A gente tinha os royalties do petróleo garantindo a previdência pública. Sempre trabalhamos aqui com os royalties ajudando o Tesouro a pagar os aposentados e pensionistas. E a queda do barril do petróleo dificultou muito e temos que aportar recursos do Tesouro para cobrir esse déficit da previdência. E temos algumas falhas que tentamos corrigir nessas medidas, que outros Estados já corrigiram e nós não. Como os Poderes pagarem pelos seus aposentados e pensionistas.

• Valor: E a receita desses Poderes vem de onde?
Pezão: Vem dos repasses, como em quase todos os Estados.

• Valor: E terão como pagar?
Pezão: Estamos colocando uma carência, porque os Poderes também estão perto dos seus limites prudenciais. Só que o Estado hoje já não consegue mais, só o Tesouro, arcar com esse déficit.

• Valor: Hoje, eles recebem o repasse do Executivo, que ainda fica com o ônus previdenciário deles...
Pezão: Sim, mas chegamos ao nosso limite. E agora, todos os Poderes vão ficar acima dos limites prudenciais da Lei de Responsabilidade Fiscal, não só o Executivo.

• Valor: Economistas enxergam o escalonamento da cobrança dos Poderes a partir de 2018 com a proporção de 20% por ano como uma postergação. Seria uma transferência para o próximo governador. Eles perguntam por que só 16 meses [de cobrança extraordinária de 16% da alíquota previdenciária]...
Pezão: Não colocamos só 16 meses. Dezesseis meses facilitam muito [para equilibrar a previdência]. O limite que conseguimos no estado de calamidade foi um ano. Colocamos até 2022 para equilibrar. Teremos uma curva, se aprovarmos tudo o que queremos daria quase R$ 28 bilhões, temos um déficit de R$ 52 bilhões e, com outras medidas que tomaremos, esperamos equilibrar. São 16 meses para fazer o desconto da alíquota extraordinária que colocamos para equilibrar a previdência. E não estamos transferindo. Colocamos para 2018 porque a LOA [ Lei Orçamentária Anual] no orçamento de 2017 já foi enviada para a Assembleia, aí desequilibraria os Poderes. Estamos dando um prazo para os Poderes irem se adequando. Não estou transferindo. É a partir de 2018 porque o orçamento de 2017 já foi enviado, e com déficit.

• Valor: O Executivo já começou a conversar com o Legislativo sobre as medidas?
Pezão: Temos conversado permanentemente.

• Valor: Como o sr. acha que será esse trâmite na Assembleia?
Pezão: Não vai ser fácil. Se fosse fácil já teria sido feito. Mas é o trabalho que temos. E estou aberto a ouvir sugestões. Não só do Legislativo, como dos Poderes, da sociedade. Estamos pagando, não na data em que queríamos pagar os servidores, mas até hoje não atrasamos salário. Tem adiantado a data. Pedimos até o décimo dia útil e temos a dificuldade mais para frente. Se não tomássemos essas medidas, teríamos problemas em 2017. E é isso que estamos apresentando.

• Valor: Estão no limite da Lei de Responsabilidade Fiscal?
Pezão: Estouramos o limite. Diminuímos a dívida e estouramos o limite, devido à queda da arrecadação. Diminuímos a dívida e estouramos [o limite]. Todo mês batemos recorde negativo de 'nunca se arrecadou tão pouco'. Estamos com os repasses despencando, não temos a recuperação da atividade econômica em nenhum Estado. Converso com o Alckmin [Geraldo, governador de São Paulo, do PSDB] toda semana e ele me fala que São Paulo, que é um dos nossos termômetros, não tem recuperado a arrecadação, que cai mês a mês.

• Valor: O aumento do ICMS não é um tiro no pé? Não perde atividade econômica?
Pezão: Ainda estamos abaixo de outros Estados. Principalmente de São Paulo, nesses produtos [energia, cigarros e bebidas]. Não acredito [que seja um tiro no pé]. Acho um erro sermos criticados por termos baixado a alíquota de vários produtos e atrair investimentos para o Estado. As pessoas colocam como se os incentivos fiscais tivessem ocasionado isso [a crise do Estado]. É mentira. Se o Estado não entra para competir com outros Estados, perdemos. Como perdemos as fábricas da BMW e da Renault, como o Rio Grande do Sul perdeu a Ford para a Bahia e nós antigamente perdemos a Fiat para Minas Gerais. Falam que dei incentivo para a Nissan. Se não desse incentivo para a Nissan, não teria agora o que a Nissan recolhe aqui [de imposto]. E muitos desses benefícios são financeiros, eles adiam o pagamento dos impostos. Tanto que fizemos operação com o Fundes ano passado, da Nissan, Ambev, Itaipava, Coca-Cola, de diversas empresas e colocamos R$ 1 bilhão para dentro do caixa, de antecipação do benefício financeiro que foi dado. Se não dermos o incentivo, a empresa não vem. E ainda tem o trabalhador que trabalha ali e está consumindo, está gastando, indo ao supermercado. Se não dou o incentivo, não tenho o trabalhador e não tenho a atividade econômica rodando. Quase 55% dos incentivos fiscais dados no Estado são do Confaz, todos os Estados assinaram e todos concedem. A maioria na cesta básica. Trinta por cento foram aprovados na Assembleia Legislativo. E quase 20% foram decretos que já são de leis que existem desde o governo Marcello Alencar [1995-1998].

• Valor: O relatório do TCU sobre incentivos fiscais mostra os 20 maiores beneficiários. Tem uma empresa de implantes dentários...
Pezão: Já mostramos que ela não recebeu benefício fiscal algum do Estado. Aquilo está errado. O Estado já respondeu. Esse relatório está totalmente errado. Eles não tiveram nenhum incentivo do Estado.

• Valor: O Estado está pagando fornecedores?
Pezão: Está atrasado, muito atrasado, muito problema. Na saúde temos tentado reservar um pouco de recurso para respirar, mas está difícil. Se atrasa o salário do servidor, imagina o fornecedor.

• Valor: E a segurança?
Pezão: Justiça, pagamos em dia, e agora, até o décimo dia útil, vamos pagar os policiais.

• Valor: E a infraestrutura? Viaturas...
Pezão: Com muita luta, procuramos manter isso funcionando, mas não está fácil, porque primeiro queremos acertar salário.

• "Estamos mostrando um caminho. Não há outro lugar para arranjar recursos. O governo federal não vai ajudar"

• Valor: Existe conta que seja feita de uma expectativa de alívio pelo lado do barril do petróleo?
Pezão: Temos um problema com o royalty do petróleo que foi um grande baque para o Estado no fim de 2015. Temos mantido royalties através de liminar, por conta do projeto aprovado no Congresso que retirava nossos royalties. Em 2020 vence a primeira renegociação da dívida que foi feita no governo FHC, quando [Anthony] Garotinho era o governador. Um dos ativos que estudamos a securitização com o Tesouro [é o royalty]. Não é fácil. Assim como a Cedae, uma das discussões que levamos ao Tesouro, que ainda não acenou positivamente, é fazer um fundo de securitização para atravessarmos esse período difícil. Essa discussão é que temos permanentemente em Brasília com os técnicos do Tesouro. Temos pareceres que mostram que isso não impacta no primário e eles acham que impacta. Essa é uma das discussões que estamos tendo, mas tem sido uma negociação muito dura.

• Valor: Falando em negociação dura, voltamos à Assembleia. De certa forma, o governo passa a brigar com os servidores. Estão esperando uma reação?
Pezão: A Lei de Responsabilidade Fiscal, todas as medidas que temos que tomar, quando atingimos os limites prudenciais, e que é um erro, são em cima de funcionários ativos. Posso demitir, reduzir salário.

• Valor: Já poderia demitir?
Pezão: Poderia começar depois de tirar todos os terceirizados. Mas como vou fazer isso, e isso vale para todos os governadores, num momento em que o Estado mais está precisando? A população não tem dinheiro para pagar plano de saúde. Nossos atendimentos nos hospitais aumentaram mais de 28%. A população não tem dinheiro para pagar escola particular. A matrícula aumentou 18%. Então, como vou tomar uma medida dessas quando na Lei de Responsabilidade Fiscal não tem nada previsto para o inativo, na previdência. É um erro da lei. E tem algo mais grave, que acho o maior erro. A LRF fala que, no crescimento abaixo de 1%, você pode começar a tomar uma série de medidas nos dois primeiros quadrimestres. Estamos com queda de 7% do PIB [nos últimos anos], estamos vivenciando a maior crise da história do país. Nada disso está na LRF. Você precisa excepcionalizar. Por isso a decretação do estado de calamidade. Você precisa ter uma discussão. Não estou fugindo da responsabilidade, estou mostrando um caminho. Claro que não posso dispensar receitas do petróleo. Acordo vendo a cotação do petróleo. É uma instabilidade tremenda. Estamos mostrando um caminho e aceito contribuições. Não tem outro lugar para arranjar recursos. O governo federal não vai nos ajudar.

• Valor: Tem uma ideia de quando a Assembleia pode votar o pacote?
Pezão: Não tenho. Estou conversando com o presidente, com os líderes. Hoje [sexta-feira] é que o projeto foi para lá, agora vai para as comissões. Precisamos que vote até dezembro. É importante que seja votado até o recesso [no fim de dezembro].

• Valor: É imperativo que todas sejam aprovadas, ou vocês trabalham com a possibilidade de que algumas não o sejam?
Pezão: Para nós é muito importante [que tudo seja aprovado]. Muitos são decretos, redução de gratificação, salários de secretários, o meu salário. Quando voltamos ao custeio de 2013 [em 2015], já tínhamos reduzido os salários de secretários e o meu em 20% e agora reduzi em mais 30%.

• Valor: Mas é mais simbólico...
Pezão: Sim, é um exemplo. No fim, tudo somado paga muita coisa. O orçamento do Estado tem muitas vinculações, o que nos sobra para trabalharmos em cima é 9% no máximo do orçamento, cerca de R$ 5 bilhões. Se antes voltamos ao custeio de 2013, agora vamos voltar ao de 2011 ou 2012.

• Valor: E os aumentos de servidores que aparecem em contas?
Pezão: Tudo errado. Há três cálculos diferentes, um do Tesouro, um do TCE [Tribunal de Contas do Estado] e o nosso. Não aumentamos tanto assim. Fomos perto do governo federal. Corrigimos algumas distorções. Nossa Polícia Militar era uma das mais mal pagas do país. Fora algumas decisões do Supremo Tribunal Federal que tivemos que cumprir, como incorporação de R$ 500 para ativo, pensionista e aposentado. Para cada 100 coronéis da PM na ativa, há 600 aposentados ganhando R$ 22 mil por mês. A maioria chega a coronel com 48 anos, 49 anos e se aposenta. Bombeiro também. A cada 100 na ativa, há 400 aposentados. E temos 66% da nossa aposentadoria para aposentadorias especiais.

• Valor: Não tem funcionário demais no Estado?
Pezão: Não. Tem de menos. Temos déficit de PMs, de uma série de funcionários.

• Valor: Voltando à segurança, alguns empresários estão sendo procurados para ajudar com combustível, com o que for possível para a polícia. Até que ponto isso é necessário? Mostra fragilidade?
Pezão: Não. Teve gente que chegou para adotar escolas. Recebemos oferecimento de empresas que querem ajudar. Acho bom.

• Valor: É um movimento expressivo?
Pezão: Tem crescido. O Carlos Tufvesson [estilista] me ligou e tem um grupo que se ofereceu para assumir e ajudar nos restaurantes populares que queremos fechar. Tenho recebido muita solidariedade des empresários que querem ajudar, em escolas, por exemplo. Pedi para a Casa Civil para ver como podemos fazer.

• Valor: O Estado tem pressa. O sr. tem expectativa de que isso seja aprovado rapidamente?
Pezão: Vou me esgotar, vou trabalhar muito, vou conversar muito para ser votado. Não quero tirar direito adquirido de ninguém, mas mostrar que, sem as medidas que estamos mandando [para a Assembleia Legislativa], é muito difícil enfrentar essa crise. E aceito sugestões de todo mundo, não estou fechado, temos que enfrentar.

• Valor: Falam da possibilidade de impeachment do governador.
Pezão: Não acredito. Já entraram alguns pedidos, mas eu acho que não tem base. Não tomei nenhuma medida que tenha levado a essa situação. Sete por cento de queda no PIB não é trivial. Tenho tranquilidade, estou me dedicando. Não tive uma gripe, não estava afastado porque quis. Renasci e renasci com muita força. Sei que é muito difícil, não faço essas medidas com satisfação, estou sofrendo muito porque não é fácil, mas é um enfrentamento que a gente precisava fazer.

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