quarta-feira, 30 de novembro de 2016

Teto de gastos é aprovado por 61 votos a 14

• Vitória dá força ao governo para a reforma da Previdência. Manifestantes depredam carros e prédios públicos em Brasília

A emenda que fixa um teto para os gastos públicos por 20 anos foi aprovada ontem em primeiro turno no Senado por 61 votos a favor e 14 contra. A vitória fortalece o governo para a reforma da Previdência, cuja proposta deve ser enviada até esta sexta-feira. O teto de gastos foi alvo de protestos violentos, que reuniram cerca de 12 mil pessoas em frente ao Congresso, segundo a PM. Manifestantes depredaram prédios públicos e oito carros. –

Vitória no teto dos gastos

• Senado aprova principal medida de ajuste por 61 a 14. Manifestantes fazem protesto violento

Bárbara Nascimento, Evandro Éboli, Renan Xavier*, Leticia Fernandes e Eduardo Barretto - O Globo

BRASÍLIA- Uma enorme manifestação em frente ao Congresso, que degenerou em confronto entre manifestantes e policiais, com carros e prédios públicos depredados, não foi obstáculo para que o governo Michel Temer conseguisse aprovar, às 22h30m, em primeiro turno no Senado, a proposta de emenda constitucional (PEC) que limita os gastos públicos por 20 anos. Foram 61 votos a favor e 14 contrários — o mínimo de que o governo necessitava eram 49, e o mercado via a marca dos 60 votos como crucial para que as medidas de ajuste fiscal, incluindo a reforma da Previdência, sigam adiante. À noite, ainda faltavam ser votados três destaques feitos pela oposição. Após aprovada, a chamda PEC 55, a principal medida de ajuste fiscal da equipe econômica, terá de passar por uma segunda votação para, então, seguir à sanção presidencial. A previsão é que o segundo turno ocorra em duas semanas. Assim, a expectativa do governo é que a emenda seja promulgada antes do recesso parlamentar, ainda em dezembro.

Antes da votação, o líder do governo no Congresso Nacional, Romero Jucá (PMDB-RR), manifestou a expectativa de que, se a PEC fosse aprovada com uma boa margem de votos, o Palácio do Planalto poderia enviar ainda esta semana a reforma da Previdência para o Legislativo. Ele estimava um placar entre 62 e 65 votos favoráveis.

A PEC limita o crescimento dos gastos públicos à inflação do ano anterior. Apesar de vigorar por 20 anos, essa dinâmica poderá ser alterada no décimo ano por decisão presidencial. O texto tem enfrentado forte resistência social, sobretudo por causa das mudanças previstas no cálculo do mínimo constitucional para as áreas de Saúde e Educação — daí a forte oposição de vários setores da sociedade civil.

Hoje, o mínimo constitucional para a saúde e educação é calculado como um percentual da receita. A PEC altera esse cálculo a partir de 2018. Ela determina que o piso de recursos para essas áreas deverá ser correspondente ao gasto no ano anterior mais a inflação do período. A medida encontra forte resistência entre grupos de estudantes, que vêm se mobilizando há várias semanas. Na Esplanada dos Ministérios, a manifestação começou a se formar no início da tarde. No auge, a Polícia Militar chegou a estimar 12 mil pessoas. Os manifestantes falavam em 50 mil. Parte da multidão, que reuniu grupos heterogêneos, entrou em confronto com os policiais. Houve excesso dos dois lados.

O mercado estava atento ao placar. Uma boa margem mostraria que o governo Michel Temer conseguiu superar a turbulência provocada pela denúncia do ex-ministro da Cultura Marcelo Calero sobre a pressão política por parte de Geddel Vieira Lima. Se a PEC tiver mais de 60 votos, disse o cientista político Ricardo Sennes, diretor da Prospectiva Consultoria, à agência Bloomberg, Temer mostrará coesão em sua base. Abaixo disso, o governo poderia se deparar com um cenário mais difícil, o que seria um entrave para a reforma da Previdência — vista pelo mercado como fundamental para que o país retome o caminho do crescimento no ano que vem.

— Sem uma reforma robusta da Previdência, será difícil manejar o Orçamento — disse à Bloomberg Ronaldo Patah, estrategista do UBS Brasil Wealth Management.

A manifestação de ontem deixou um rastro de destruição na Esplanada dos Ministérios, enquanto os senadores encaminhavam a votação em primeiro turno da proposta no plenário do Senado. Foram pelo menos oito carros depredados, virados ou queimados, incluindo o veículo de uma rede de televisão, e prédios públicos foram depredados. A polícia ainda se excedeu no uso de gás de pimenta e bombas de efeito moral.

Os carros foram virados por pessoas encapuzadas, sob protesto de vários manifestantes, que pediam para que a violência fosse contida. Até o veículo de uma manifestante foi alvo de depredação. Ao queimar um modelo de luxo, eles chegaram a gritar que destruiriam apenas “carros de burgueses”. Um grupo também empurrou banheiros químicos para a pista da Esplanada dos Ministérios, fez barreiras e colocou fogo em papéis e lixo no meio do asfalto. Os dois primeiros andares do Ministério da Educação foram invadidos e diversos objetos foram quebrados. O prédio do Ministério do Esporte também sofreu depredação.

Nas faixas e cartazes, muitas inscrições de “Fora Temer” — frase que foi escrita em muros de prédios importantes, como o Museu Nacional da República — e algumas contra a anistia ao crime de caixa dois dos políticos. Muitas pessoas passaram mal por causa do gás — o Corpo de Bombeiros registrou 40 atendimentos —, e alguns parlamentares tentaram interceder, acusando a polícia de atacar estudantes.

— Policiais, parem! É uma manifestação legítima contra esse governo golpista — disse Benedita da Silva (PT-RJ), em cima de um caminhão de som.

O capitão da PM Michello Bueno, por sua vez, afirmou que os manifestantes jogaram coquetel molotov e que até uma flecha foi disparada.

Enquanto os manifestantes estavam em frente ao Congresso, as palavras de ordem que vinham do comando do ato, no caminhão de som, eram contra o governo. No fim, em outro ponto da Esplanada, em pleno confronto com a PM e com a situação fora de controle, um manifestante pegou o microfone e gritou:

— Parem de fugir! Vamos para cima deles (a PM)! Somos muito mais!

No Congresso, a entrada já estava dificultada para pessoas sem identificação desde o início da tarde. Mesmo assim, uma mulher, que afirmou se chamar Gláucia Morelli, presidente da Confederação Nacional das Mulheres do Brasil, interrompeu o presidente do Senado, Renan Calheiros, nos primeiros minutos da sessão para protestar contra a PEC. Ela gritou por vários minutos até ser retirada à força, junto com outros dois manifestantes que a acompanhavam, e encaminhada para a Delegacia de Polícia Legislativa, onde prestaria depoimento.

TEMER E ABERT CRITICAM ATAQUES À IMPRENSA
No plenário, os senadores mal escutavam o tumulto do lado de fora. Após a confusão no gramado do Congresso, vários senadores da oposição, como Gleisi Hoffmann (PT-PR), Vanessa Grazziotin (PCdoB-SC) e Lindbergh Farias (PTPB), acusaram a polícia de truculência e pediram que Renan liberasse a entrada das pessoas para que assistissem a sessão.

— O pleito que fazemos a Vossa Excelência é para que abra as galerias, e terá nossa solidariedade e apoio total e irrestrito, para que, na hora em que for descumprido o Regimento, as medidas cabíveis sejam adotadas. Não é possível votar uma emenda constitucional de 20 anos, que interfere na vida das pessoas, no cotidiano de todos os brasileiros e brasileiras, com as galerias vazias — afirmou Vanessa.

Renan afirmou que as galerias estavam abertas, mas não para que as pessoas tumultuassem a sessão e não deixassem os senadores deliberarem.

Temer repudiou o “vandalismo, destruição e violência” dos protestos. Ele ressaltou que o governo “sempre esteve aberto ao diálogo”, mas defendeu que patrimônios públicos e privados não podem ser destruídos por conta de reivindicações sociais.

— A intolerância não é forma de expressão democrática e não pode ser instrumento para pressionar o Congresso — declarou Temer por meio do porta-voz da Presidência, Alexandre Parola. — O país não pode ser palco de atos que só disseminam o medo e a intimidação para as famílias e os cidadãos brasileiros.

O presidente também criticou os ataques à imprensa:

— A mesma Constituição que garante a liberdade de manifestação protege também a imprensa livre.

A Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert) afirmou, em nota, considerar “inaceitável que, mais uma vez, a imprensa tenha sido alvo de ataques por parte de manifestantes durante a cobertura jornalística de protestos populares.” A Abert lembrou que dois carros de reportagem foram danificados, sendo que um deles, da TV Record, foi virado e jogado no espelho d’água do Congresso Nacional.

*Estagiário, sob a supervisão de Eliane Oliveira

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