sábado, 19 de novembro de 2016

Uma ponta solta - Rogério Furquim Werneck

- O Globo

• O que se teme é que o que vem ocorrendo no Estado do Rio seja só um trailer, ainda que em cores mais fortes, do que vem por aí

O governo talvez tenha subestimado uma das principais dificuldades que terá de enfrentar na longa rota de saída da crise que vislumbrou para o país. No plano de jogo proposto, há uma ponta solta a exigir atenção redobrada: o rápido agravamento da crise fiscal dos estados e municípios e seus possíveis desdobramentos.

O que se teme é que o que vem ocorrendo no Estado do Rio de Janeiro seja só um trailer, ainda que em cores mais fortes, do que vem por aí. O estado está virtualmente quebrado. O governador Luiz Fernando Pezão alega que, se nada for feito em contrário, só conseguirá pagar sete das 13 folhas de pagamento com que terá de arcar em 2017.

Tendo publicado artigo recente intitulado “Sem botes salva-vidas” no GLOBO, em 30 de outubro, o governador submeteu ao Legislativo estadual proposta de drástico programa de ajuste fiscal. Para não deixar dúvida sobre as proporções do problema, incluiu na proposta cobrança de contribuição previdenciária de 30% sobre os vencimentos dos servidores ativos e inativos. O que se viu em seguida foi amplamente divulgado país afora: selvagem depredação do plenário da Assembleia Legislativa por uma horda de servidores irados.

É muito pouco provável que o governador consiga extrair da Assembleia, em tempo hábil, a aprovação do ajuste fiscal que seria requerido para impedir a desorganização e o colapso de serviços essenciais providos pelo governo estadual. Desalentado com as perspectivas de seu mandato, Pezão passou a declarar que o estado se tornou ingovernável e a sugerir que uma intervenção federal pode se tornar inevitável. Cenário que, para o Planalto, seria simplesmente impensável, pois, com um estado sob intervenção, propostas de emenda à Constituição não poderiam ser tramitadas.

Sem perspectiva de equacionar a crise fiscal do Rio de Janeiro, Pezão parece agora empenhado em mobilizar uma ampla coalizão de governadores para aumentar a potência da pressão dos estados sobre o governo federal. E é bem possível que tenha sucesso nesse empenho, pois as dificuldades financeiras que vêm sendo enfrentadas pelos governos subnacionais estão fadadas a se agravar rapidamente nos próximos meses.

A questão é como Brasília pretende reagir ao agravamento da crise fiscal dos estados e municípios. O que o governo tem declarado é que chegou o momento de mostrar firmeza e deixar o sistema ranger. Que governadores e prefeitos precisam entender que o regime fiscal mudou para valer. Que, desta vez, não voltarão a ser resgatados pela União. E que cabe a cada um deles saber conviver com uma restrição orçamentária rígida e levar adiante o esforço de ajuste fiscal que se fizer necessário. Não importa de que tamanho for.

Pode até ser um bom plano de jogo, desde que o governo tenha certeza de que terá cacife político para bancá-lo até o fim. Mas, se o Planalto teme não dispor desse cacife todo e se ver, dentro de alguns meses, obrigado a ceder às pressões e a ter de improvisar uma desmoralizadora operação de resgate, talvez valha a pena conceber plano de jogo mais realista. Uma estratégia fatalmente mais custosa num primeiro momento, mas que não redunde, mais à frente, em perda de credibilidade tão devastadora para o programa de ajuste fiscal do governo. E que não seja percebida como recuo.

Talvez seja o momento de aproveitar o efeito pedagógico da crise no Rio de Janeiro e o alarme dos governadores com a evolução das suas folhas de pagamentos, para angariar seu apoio efetivo a um ajuste fiscal mais ousado, baseado em reforma previdenciária bem mais ambiciosa e mais abrangente do que a que vem sendo contemplada pelo governo. E, quem sabe, complementada pela aprovação de medidas que reduzam a rigidez que hoje restringe a gestão das folhas de pagamento de servidores ativos em todas as esferas de governo.

Em vez de um plano que condene o Planalto a um atrito permanente com os governadores, é hora de engajá-los no colossal esforço de ajuste fiscal que hoje se faz necessário, tanto na esfera federal como na estadual.

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Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio

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