quarta-feira, 7 de dezembro de 2016

Açodamento irresponsável – Editorial /O Estado de S. Paulo

Por seu conhecido currículo, o senador Renan Calheiros não deveria ter sido eleito presidente do Senado. Na verdade, o interesse público aconselharia que o povo alagoano não o tivesse reeleito senador. O reconhecimento de que Renan não faz bem à vida pública nacional não modifica, no entanto, a inconveniência, a imprudência e a destemperança da decisão liminar do ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), de afastar o senador do exercício da presidência da Casa. Por todos os ângulos que se vê, a decisão do ministro Marco Aurélio causa profunda estranheza.

Trata-se, em primeiro lugar, de uma excepcionalíssima interferência do Poder Judiciário no Poder Legislativo para que seja feita liminarmente por um único ministro. Criou ele um conflito entre Poderes – ou ele esperava que o Senado recebesse passivamente a deposição de seu presidente? – que só desestabiliza ainda mais a já atribulada política nacional e perturba os combalidos meios de produção. E para quê?

Haja pressa para justificar uma decisão liminar desse teor. É difícil de explicar tamanho açodamento frente ao tempo que o próprio STF levou para decidir sobre o inquérito envolvendo Renan Calheiros. Foram nove anos de indecisão, nos quais a Corte mais parecia um gato a brincar com um novelo de linha de lã, num tempo absurdo para decidir sobre o destino de qualquer pessoa – nem se fale de uma investigação com tamanha repercussão sobre a vida institucional brasileira.

Além de interferir indevidamente no Legislativo, a decisão de Marco Aurélio é uma intervenção extemporânea no próprio STF, pois havia ato anterior, do ministro Dias Toffoli, a recomendar espera sobre a matéria. Trata-se de uma decisão que pode ser modificada pelo plenário da Corte.

No mesmo dia em que Marco Aurélio gerava enorme imbróglio jurídico, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, reafirmava a responsabilidade da Justiça como pacificadora dos conflitos e da sociedade. “Como não há paz sem justiça, o que se busca é exatamente que atuemos no sentido de uma pacificação num momento particularmente grave, porque aqui, como em outros lugares, nós somos servidores públicos diretamente responsáveis por resolver conflitos que estejam nos processos”, disse Cármen Lúcia. Um pouco mais de consenso, por parte dos membros do mesmo tribunal, sobre o papel do Judiciário contribuiria para a credibilidade da instituição.

Como se não bastassem os inúmeros aspectos negativos da decisão de Marco Aurélio, ela de pouco serve para a finalidade pretendida – ou declarada. Os supostos efeitos moralizadores de afastar da linha sucessória presidencial uma pessoa que é ré em processo penal tendem a zero, já que a Renan sobravam pouco mais de 15 dias na presidência do Senado – e com uma pauta legislativa já conhecida.

Logicamente, a decisão de Marco Aurélio foi aplaudida por quem, sem maiores compromissos com o interesse do País, deseja simplesmente travar a agenda de reformas do atual governo. A quem só consegue ver a realidade com as lentes da irresponsabilidade é bom lembrar que o presidente do Senado tem poderes limitados. Prova disso é a recente decisão do plenário, que barrou, por 44 votos contra 14, a manobra de Renan de tentar aprovar requerimento de urgência urgentíssima para o pacote das medidas anticorrupção. Trata-se de um alerta a quem queira tirar indevido proveito da desastrada liminar de Marco Aurélio. Sempre – e especialmente num cenário de crise econômica – brincar com a pauta do Senado é brincar com o futuro do País e o bem-estar dos brasileiros.

Tamanho foi o açodamento de sua decisão que o próprio ministro parece ter-se dado conta de que foi longe demais no exercício monocrático de suas competências. Ontem, ele submeteu em caráter de urgência sua decisão a referendo do plenário do STF. Melhor assim, ainda que esse lampejo de prudência não afaste os efeitos deletérios da liminar que concedeu.

Que a triste passagem de Renan pela presidência do Senado, ainda sem desfecho conhecido, possa ao menos somar à experiência vivida pela Câmara com o caso de Eduardo Cunha e fomente nos parlamentares um pouco mais de responsabilidade na hora de escolher quem presidirá a respectiva Casa legislativa. O que seria desnecessário, é claro, se o eleitor só votasse em candidato honesto.

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