quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Conflito amazônico - Míriam Leitão

- O Globo

O ministro Eliseu Padilha disse que não houve retrocesso ambiental na decisão recente de reduzir a área da Floresta Nacional do Jamanxim. “Não houve desafetação. Apenas transformamos uma parte da Floresta Nacional em Área de Proteção Ambiental”. O especialista Beto Veríssimo discorda e acha que “o governo Temer está brincando com o tema em hora decisiva”.

Essa palavra “desafetação” significa redução de área protegida. O ministro acha que não houve porque no mesmo ato que diminuiu o tamanho de Jamanxim foi criada a APA. Padilha me mandou material com o resumo da decisão do governo que critiquei na coluna de domingo e depois eu o entrevistei sobre o assunto. Falei também com o pesquisador do Imazon. As duas entrevistas ajudam a ilustrar o tema. O governo está convencido que não errou e o ministro chefe da Casa Civil sustenta que, no final, o meio ambiente saiu ganhando porque houve um aumento da área protegida.

— Foram incorporados 230 mil hectares no Parque Nacional do Rio Novo, que é próximo de lá, e isso leva a área a um nível de proteção superior à Floresta Nacional. Nós reduzimos Jamanxim em 437 mil, mas sobre uma parte dessa terra foi criada uma APA onde terá que haver uso sustentável.

Beto Veríssimo, que há anos trabalha na Amazônia, e é um dos maiores especialistas do Brasil no assunto, esclarece que essa troca tem perdas significativas.

— A APA é uma categoria de proteção muito mais fraca. Na Amazônia tem sido pouco efetiva para proteger. Basta ver a APA Triunfo do Xingu, perto da Terra do Meio, e que é hoje uma das áreas onde há mais desmatamento. Não é uma boa justificativa.

O ministro argumenta que a região já estava ocupada anteriormente por posseiros e que eles não foram legalizados nem receberam a titulação da terra e terão que fazer uso sustentável da área. A APA de Jamanxim recebeu 304 mil hectares dos 437 mil hectares que foram retirados da Floresta Nacional do Jamanxim. Além disso recebeu 230 mil hectares novos, de área que não estava protegida.

Essa discussão é antiga, não começou no governo Temer. A Floresta Nacional do Jamanxim foi criada quando Marina Silva era ministra, e houve a discussão sobre se havia sido incorporada à unidade de conservação um pedaço que já estava ocupado por produtores. Na época, em 2006 falava-se em 90 mil hectares dos 1,298 milhão de hectares que tinham ocupantes.

— Políticos passaram a incentivar a ocupação dizendo que o governo acabaria fazendo a desafetação. No governo Dilma esses rumores cresceram e a chegada de novos grileiros aumentou, principalmente depois que ela reduziu unidades de conservação por Medida Provisória perto de Tapajós. Nunca havia ocorrido desafetação por MP. Este precedente de Dilma foi usado agora por Temer para diminuir Jamanxim. O desmatamento na Amazônia é movido a sinais, e o sinal dado pelo governo Temer foi o oposto do que deveria ter emitido — diz Beto Veríssimo.

O ministro tem razão quando diz que houve um avanço ao se transformar parte da Floresta Nacional em Parque Nacional. Não tem razão quando diz que transformar Floresta Nacional em APA não muda nada. Se não mudasse não teria sido feito, não teria havido tanto lobby e tanta pressão. Jamanxim é uma área disputada porque fica às margens da BR-163. A abertura da estrada estimulou a grilagem.

No texto que o ministro me mandou está dito que o objetivo do Programa Terra Legal é “regularizar as ocupações legítimas”. Pode ser esse o objetivo e pode até haver quem esteja lá legitimamente, mas a maioria dos ocupantes invadiu a terra pública depois que ela já era unidade de conservação. Eles apostaram que o governo recuaria, e foi o que aconteceu.

Beto Veríssimo define a medida como “desastrosa” porque nos últimos dois anos houve uma mudança de tendência e o desmatamento que estava em 4,6 mil km² por ano chegou a 8 mil km² em 2016. Para efeito do controle do desmatamento, o ano começa em agosto, e o dado de 2017 indica que a taxa continua aumentando. Não é hora de dar sinal de fraqueza. Por isso ele diz que o governo está brincando com o tema. Para ele, o “desmatamento é um transatlântico” que vira devagar. E nos últimos anos ele tem se virado na direção de aumento do ritmo de destruição da Amazônia.

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