sexta-feira, 9 de dezembro de 2016

Credibilidade em xeque – Merval Pereira

- O Globo

Dois dias após descumprir liminar do ministro Marco Aurélio Mello, o presidente do Senado, Renan Calheiros, afirmou que “decisão judicial do Supremo se cumpre”. Renan comentava o fato de ter sido mantido no cargo pelo STF. O senador seguiu o negociado e fez três sessões para acelerar a votação do teto de gastos. Marco Aurélio disse acreditar que houve acordo para beneficiar Renan. O Supremo Tribunal Federal (STF), tentando resolver uma crise institucional, pode tê-la aprofundado por perder a credibilidade diante da opinião pública. O STF vinha representando um papel de fiel da balança, do garantidor da democracia brasileira, e, se perder a confiança da população, ficaríamos em uma situação bastante delicada.

Temos um governo que não é popular e está ainda tentando encontrar um caminho de equilíbrio entre o conservadorismo nato do presidente Michel Temer e o reformismo que é necessário. Um Legislativo completamente desmoralizado, e o Judiciário em xeque com essa última decisão.

Uma de nossas crenças é a de que, apesar das crises múltiplas, nossas instituições democráticas funcionam normalmente. Mas elas estão sendo corroídas gradativamente pela falta de credibilidade. Tenho certeza absoluta de que os ministros do Supremo que mudaram de posição em relação ao julgamento do mérito na ação que proíbe que um réu faça parte da linha de substituição do presidente da República o fizeram na melhor das intenções.

Estavam preocupados com a crise institucional implantada com a confrontação, pelo Legislativo, da decisão liminar do ministro Marco Aurélio afastando o senador Renan Calheiros da presidência do Senado. Pensaram no país, acharam que a melhor solução era tranquilizar o Senado, permitindo que o Congresso prosseguisse a votação das reformas econômicas tão necessárias.

Mas se equivocaram, pois, além de não ser a decisão mais acertada a meu ver, puseram-se completamente nas mãos de Renan. O mínimo que deveria acontecer era exigir que ele acatasse a decisão liminar do STF, deixando a presidência do Senado para o vice Jorge Viana, até que o recurso ao plenário fosse julgado. Seria a única maneira de evitar que o Supremo fosse confrontado pelo Legislativo, e quase humilhado por Renan.

Os ministros não tiveram o cuidado de preservar a instituição diante de um fato grave, a recusa do presidente do Senado de receber do oficial de Justiça a comunicação de que estava fora das suas funções. Não adiantam de nada os discursos de vários juízes, inclusive da presidente do STF, Cármen Lúcia, criticando a atitude, classificada de “uma afronta à Justiça”. E daí?

Renan não aceitou a decisão de Marco Aurélio Mello, levou a Mesa do Senado a fazer um documento em que rejeitava a liminar, e não aconteceu nada com ele, não sofrerá nenhuma punição. Um péssimo exemplo para a cidadania, uma demonstração de que há ainda no país quem esteja imune às penas a que os comuns dos mortais estão sujeitos.

O equívoco político foi considerar Renan imprescindível para a governabilidade. Não creio que o Senado se rebelaria contra o STF, inviabilizando as reformas. E, mesmo que o PT estivesse no comando da Casa com o senador Jorge Viana, não teria condições políticas para impedir que a maioria votasse a PEC do teto dos gastos.

No limite, poderia adiar a votação para fevereiro, quando provavelmente o senador peemedebista Eunício Oliveira estará à frente do Senado. É claro que isso provocaria um estresse momentâneo, o mercado reagiria mal, mas faz parte do jogo.

Não diria nem que houve um acordo, mas o consenso a que chegaram de que a melhor solução seria a adotada é um equívoco e enfraquece o Supremo. Os ministros do Supremo foram mais generosos do que cautelosos, pensaram mais na crise institucional do que na imagem da sua instituição, que ficou muito abalada, sujeita a mil interpretações.

A maioria da opinião pública está convencida de que houve um acordo político para salvar Renan. Em troca, ele tiraria da pauta, o que realmente aconteceu, o projeto sobre abuso de autoridade, e não mais mexeria nos supersalários do Judiciário. Cármen Lúcia, presidente do Supremo, já havia tentado interferir, por meio do presidente Michel Temer, para que os projetos sobre abuso de autoridade com punições para juízes e procuradores não fossem colocados por Renan na pauta, e não fora atendida.

Essas insinuações são motivadas por uma mudança de posição do Supremo que parece inexplicável a quem queria ver Renan Calheiros fora da presidência do Senado e foi para as ruas exigir.

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