domingo, 4 de dezembro de 2016

Desânimo nas redes e nos bares

• Falta de dinheiro, desemprego e aumento da insegurança tomam conta dos debates no pós-Olimpíada. Crise política e econômica se junta a fim de ano de pouca comemoração

Ludmilla de Lima - O Globo

A Lagoa Rodrigo de Freitas não se enfeitará com as luzes de Natal. Neste fim de ano, a cidade não terá a simbólica árvore, enquanto o Réveillon será, digamos, mais minimalista: Copacabana, que já teve três palcos de shows para a alegria da multidão, contará desta vez com apenas um. Uma atmosfera de desânimo paira sobre o Rio de Janeiro que, ironicamente, há quatro meses, vivia o embalo da Olimpíada. Partiram as delegações, e o astral dos cariocas entrou em queda junto com a economia do estado. Esse clima se reflete nas redes sociais, onde dinheiro curto, desemprego, descrença na política e aumento da insegurança dominam os debates, que não raro acabam até com amizades.

“Pensando bem, este ano de 2016 pode ter sido um capítulo de Black Mirror", escreveu no Facebook outro dia Zeca Borges, criador do Disque Denúncia, serviço que vem sendo ameaçado pela crise. No post, ele brinca e faz metáfora com o sentimento de muitos, usando a perturbadora série britânica que trata da relação do homem com a tecnologia, às vezes, de forma sombria e assustadora.

— Não sabemos mais como acordaremos no dia seguinte, com que tipo de notícia vamos nos levantar da cama. A crise estava prevista, mas ninguém sabia que seria essa desesperança. E você ainda vê nas redes e nas ruas do Rio uma intolerância marcante, uma falta de paciência, de empatia com os outros — diz Zeca, que tem escutado gente falando que quer ir embora não só do Rio, como do Brasil. — As coisas que os cariocas gostam parecem ter ficado sem graça. O Arpoador ficou sem graça... Temos que voltar a gostar de passear em Copacabana, andar no calçadão... E, se o humor acaba, a coisa fica muito grave.

O cantor e compositor Martinho da Vila diz que a euforia da Olimpíada passou, e o carioca baixou a bola. Até o espírito natalino sofre o baque.

— Se fala o tempo inteiro da crise financeira, de Brasília. E é aqui no Rio que as coisas ecoam. O clima está estranho. Aqui na Barra (onde mora) tem poucos condomínios e casas com luzes de Papai Noel. E a árvore da Lagoa, bem simbólica, não vai ter. Isso tudo ajuda a jogar para baixo, e a energia negativa vai ganhando... Já fiz a minha árvore, com luz e tudo. Precisamos rir de nós mesmos — aconselha, soltando a sua contagiante gargalhada.

À ESPERA DE PATROCINADOR
Este ano, ele remou contra essa maré lançando o disco “De bem com a vida”. No samba que dá nome ao CD, Martinho canta: “Se um sonho dançou/Sabe o que faço?/Boto fone nos ouvidos/E curto um som/Certamente outras vitórias virão/Agora, o importante é torcer/E manter viva a esperança”.

— Não fico para baixo nunca — garante ele, gargalhando de novo. — Quem está de mal com a vida não faz nada, não colabora e vai ficando cada vez mais fiu-fiufiu... Nos períodos mais difíceis é que temos que ser mais positivos. Quem mudou a história do mundo foram os otimistas, que acreditam.

Até para fazer uma festa bonita da virada estão sendo necessárias boas doses de esperança. Quem diz é o secretário municipal de Turismo, Antonio Pedro Figueira de Mello: ele espera que até a próxima quinta-feira patrocinadores interessados no evento se manifestem. Caso contrário, caberá à prefeitura bancar todos os custos. Ele afirma que os fogos em Copacabana terão a mesma grandeza e que outros pontos da cidade, como o Flamengo, não ficarão sem brilho no céu. Mas é fato que a farra não será a mesma só com um palco. E a Zona Portuária, cotada para entrar no circuito, ficou mesmo de fora.

O bossa-novista Carlos Lyra espelha o abatimento dos dias de hoje. Para o cantor e compositor, o Rio vive uma grande ressaca: financeira, puxada pelo caos nos cofres do estado e os gastos com os Jogos; política, representada por uma eleição a prefeito com alto índice de abstenção; e social, num ciclo que une desemprego, desespero e violência.

— Nossa linda cidade, que tanto amo, tem praias sujas, águas impróprias para banho, ruas mal asfaltadas, bueiros entupidos, esgotos ligados a tubulações de água pluvial e lançado in natura no mar e nas lagoas, lixo jogado no chão, motoristas mal educados... — vai listando o músico, que já se declarou ao Rio na canção “Em tempo, eu te amo” (“Eu vim pra te dizer/Que eu te amo por inteiro/E mais a cada dia/Eu te amo sim/Meu Rio de Janeiro!”). — Superar esse momento depende de muitas mudanças e não simplesmente do cidadão carioca, que é admirado em todo o mundo por sua alegria e receptividade. Dependemos basicamente de mudanças de base. Educação e cidadania! Tolerância zero à qualquer nível de corrupção.

A filósofa Viviane Mosé também associa a fase de descrença ao aumento da criminalidade, à baixa participação dos eleitores e à crise do estado. Nesse caldeirão ela inclui até o cenário internacional, com a eleição de Donald Trump nos EUA. Tudo isso estaria mexendo com os nervos por aqui:

— A cidade passou por uma grande euforia alguns anos atrás, quando ganhamos a possibilidade de fazer a Olimpíada e, antes, a Copa. O carioca não era o centro do Brasil, mas do mundo. As Havaianas eram moda no mundo, o Rio era moda no mundo. E, nos últimos seis anos, isso foi mudando radicalmente até chegar à situação atual, de desânimo. A situação do estado é muito grave, e isso implica na questão da insegurança. É extremamente angustiante — afirma a filósofa, dizendo que é difícil não desejar que 2016 acabe logo.

INQUIETUDE DO CARIOCA
Ela, no entanto, destaca que os moradores vão “virar o jogo”, até porque essa não é a primeira vez que a cidade passa por acontecimentos “extremamente difíceis”. Sentindo as nuvens carregadas sobre o Rio no próprio consultório, a psicóloga Regina Pontes, professora da PUC, diagnostica como falta de perspectiva uma das angústias mais relatadas.

— As pessoas estão mais abatidas que em outros momentos. Mas ainda vejo um brilho nos cariocas. Chegam algumas pessoas deprimidas, mas buscando saída. Não vejo as pessoas paralisadas. Temos que aproveitar esse movimento que o carioca tem, essa inquietude, e ir adiante.

Nas mesas do bar Lagoa e da Fiorentina, bons termômetros de estresse e euforia, não se fala em outra coisa a não ser nas agruras da política e da economia. Dono das duas casas, o empresário Omar Peres, o Catito, conta que impera uma certa tristeza. Mesmo assim, o carioca não deixa a peteca cair:

— O momento é de perplexidade. Mas o carioca não deixa de ser carioca. Não deixa de sair, de encontrar amigos e falar mal do governo na mesa de bar.

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