domingo, 18 de dezembro de 2016

Escândalos pré-Lava Jato não tiraram Odebrecht do poder

Rubens Valente – Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - A Odebrecht alimentou com dinheiro e benesses o mundo político por mais de duas décadas —como indicam os depoimentos de seus altos funcionários na Operação Lava Jato—, mesmo depois de sobreviver a dois escândalos que marcaram os anos 90, os casos PC-Collor e Anões do Orçamento.

Em 1992, o empresário Emílio Odebrecht, então presidente do grupo fundado na Bahia por seu pai, Norberto, nos anos 1940, sentou-se à frente do delegado da Polícia Federal Paulo Lacerda —que anos mais tarde se tornaria diretor-geral da corporação.

Estava acompanhado do advogado Márcio Thomaz Bastos, que veio a ser ministro da Justiça no primeiro governo Lula (2003-2006).

Emílio foi indagado sobre pagamentos que a empreiteira fez ao esquema de PC Farias, ex-tesoureiro do então presidente Fernando Collor.

Uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquérito) instalada no Congresso concluiu que a Odebrecht pagou US$ 3,2 milhões à firma EPC (Empresa de Participações e Construções), que funcionava como uma "lavanderia" de PC para o dinheiro pago por empresários que tinham interesses no governo.

A Odebrecht foi a principal pagadora da EPC, segundo os documentos da CPI. Do total de US$ 7,8 milhões recebidos pela firma, 41% vieram do caixa da construtora baiana. Emílio confirmou os pagamentos, justificados por ele como serviços de assessoria e estudos para o governo.

A comissão concluiu que "não houve prestação de serviços e, portanto, não houve motivo material justificado pelos contratantes para o pagamento".

Um ano depois, a Odebrecht entrou de novo no olho do furacão. Ao investigar denúncias de um esquema que envolvia membros da Comissão de Orçamento do Congresso, a PF invadiu a casa do então diretor da Odebrecht em Brasília, Manoel Ailton Soares dos Reis. Na ocasião, policiais encontraram anotações com iniciais e nomes de políticos relacionados a valores.

Reis foi levado a depoimento na CPI dos Anões do Orçamento em dezembro de 1993. Assumiu toda a responsabilidade pelo caso, disse que não cometeu irregularidades e que os números eram "uma valoração pessoal e subjetiva para balizar internamente critérios para eventuais e futuras colaborações em campanhas".

O relatório final apontou que Reis disse "inverdades" e que a versão sobre as campanhas futuras era "para todos inverossímil". Recomendou que o Ministério Público investigasse o executivo por supostas práticas de "perjúrio e corrupção ativa".

À Folha, o então relator da CPI, Roberto Magalhães, 83, diz que a apuração sobre as empreiteiras não prosperou porque não "havia condições" para investigá-las.

Na época, ele pediu uma CPI exclusiva sobre essa empresas. Magalhães afirmou que sua recomendação, entretanto, por alguma razão desapareceu do texto final do relatório.

"Não estou encontrando essa parte que eu tenho certeza que constou. Se não tem, é porque tiraram. As empresas citadas fui eu que botei. Quem tirou? [...] Provavelmente uma ou mais das nomeadas, através dos seus lobistas", diz.

PETROBRAS
Esses registros turbulentos não impediram que a Odebrecht continuasse gozando de grande confiança em Brasília. Em suas memórias, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) descreveu pelo menos 14 encontros e conversas com Emílio Odebrecht, incluindo almoços e jantares privados, de 1995 a 1998.

FHC disse ter conversado sobre o setor petroquímico, o destino do Banco Econômico, então ameaçado de intervenção federal, "a utilização", pela Odebrecht, da Base Aérea de Alcântara, o destino político de Mário Covas (1930-2001), então governador de São Paulo, e uma fábrica de celulose. Em outro encontro, FHC diz que conversou "longamente com Emílio Odebrecht sobre a Petrobras".

Em 1998, FHC esteve às voltas com a suspeita de que a Petrobras beneficiara a Odebrecht ao fazer uma parceria para a instalação de um polo petroquímico em Paulínia (SP). No ano 2000, o contrato foi alterado para retirar uma cláusula de preferência à empreiteira.

Um texto da revista "Veja" havia sugerido que FHC pendera a favor de Emílio, o que o presidente negou.

Informou, porém, que Emílio era um financiador de suas campanhas eleitorais.

Ao longo dos dois volumes de seus livros de memórias, FHC trata Emílio de forma elogiosa.

"Curioso, a firma Odebrecht ficou tão marcada pela CPI dos Anões do Orçamento, com o negócio da corrupção, e no entanto o Emílio é um dos homens mais competentes do Brasil em termos empresariais".

Com o acordo de delação premiada assinado com a Lava Jato, a empreiteira promete detalhar suas relações com os dois presidentes eleitos que sucederam FHC, Lula e Dilma Rousseff.

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