segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Modernização trabalhista - Denis Lerrer Rosenfield

- O Globo

Inegavelmente, a pinguela está se mostrando uma ponte! Com coragem, a despeito de previsões pessimistas, o Presidente Temer, secundado pelo seu Ministro do Trabalho, Ronaldo Nogueira, assinou uma medida provisória e um projeto de lei, em regime de urgência, com as novas regras que passarão a reger o seguro-desemprego e as relações trabalhistas. Para os que pensavam que nada disto aconteceria neste ano, e talvez nem no próximo, o governo deu provas de seu perfil reformista.

Um tabu foi rompido. A CLT era considerada sacrossanta por todos aqueles apegados ao passado e receosos de qualquer tipo de modernização. A situação não deixava de ser curiosa, pois uma legislação da primeira metade do século XX, imbuída do espírito corporativo de então, continua a reger relações econômicas, sociais e trabalhistas completamente distintas. É como se os mecanismos da máquina de escrever continuassem válidos na era da internet, do computador, do iPhone e do iPad.

Ninguém em sã consciência apregoaria tal coisa, porém a mesma surpresa é como senão valesse para outros aspectos de mudanças de mundo. Acrescente-se, ainda, que a legislação getulista remonta também ao castilhismo gaúcho de fim do século XIX, deitando suas raízes na doutrina de Augusto Comte. Será que é o mesmo mundo?

É da maior importância ressaltar que tais medidas de modernização não foram impostas administrativamente, mas foram o resultado de laboriosas negociações conduzidas pelo Ministro do Trabalho. As três maiores confederações patronais (CNA, CNC e CNI) foram consultadas e apresentaram importantes sugestões.

O mesmo ocorreu com as centrais sindicais (Força Sindical, CUT, UGT, Nova Central, CBS, CBT, Comlutas), que estabeleceram um rico diálogo. Todas foram igualmente parceiras, preocupadas com o desemprego, com a preservação de direitos e com os avanços sociais e econômicos.

O país estava imerso na insegurança jurídica. Quem pensaria investir em um local com uma legislação anacrônica, em dissintonia com as novas relações econômicas? Como o negociado entre as partes pode ser simplesmente anulado por uma decisão judicial? E isto em um contexto de intensa competitividade internacional! Agora, a segurança passará a vigorar.

Embora não tenha aparecido no noticiário, o ministro Ronaldo Nogueira viajou por várias cidades brasileiras, às vezes em um mesmo dia, sempre preocupado com a negociação e o diálogo. As portas lhe foram abertas. Seu objetivo consistiu em trazer as partes para um acordo, descartando tudo o que pudesse ser razão para conflitos.

Para quem pensa que capital e trabalho devem sempre se enfrentar, o exemplo que está sendo apresentado ao país é o de um processo em que todos ganham se souberem se reconhecer como entidades e pessoas autônomas, cada uma sendo capaz de apresentar os seus argumentos. No final, todos saem vitoriosos, o que significa dizer que o país avança.

A solenidade no Palácio do Planalto foi uma bela amostra desta concertação, desta pacificação, com líderes dos trabalhadores e patronais elogiando o clima de diálogo e de negociação. O Presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Yves Gandra Martins, em sua fala, bem expressou o que todos estavam pensando: tratase de um “evento histórico”, algo reafirmado logo depois pelo próprio Presidente da República.

O maior avanço das medidas proposta consiste no prestigiamento da Negociação Coletiva, que passa a ter força de Lei. Ou seja, o acordado entre as partes, segundo uma lista estabelecida no Projeto de Lei, passará a valer legalmente, não podendo ser modificado pela Justiça trabalhista.

Direitos consolidados na CLT são preservados, ao mesmo tempo em que se abre um espaço de negociação entre empregadores e trabalhadores, que passam a decidir enquanto pessoas livres o que mais lhes convém. Deixam de ser tutelados e passam a ser autônomos.

Os contenciosos trabalhistas, por sua vez, tendem a diminuir, assim como a ingerência dos Tribunais nestas decisões. Para se ter uma ideia da transformação proposta, em torno de 90% dos conflitos trabalhistas giram em torno desses pontos, que passam a ser objetos de uma deliberação conjunta.

Exemplos: jornada de trabalho, contemplando as jornadas parciais e temporais, gozo de férias, que podem ser dividas segundo a conveniência das partes, participação nos lucros e resultados, intervalo entre jornadas, jornada em deslocamento (in itínere), banco de horas, trabalho remoto, registro de ponto e remuneração de produtividade. Note-se que são pontos que, vistos de perto, não infringem nenhum direito, mas deixam as partes decidirem por aquilo que mais lhes beneficia.

Deixa de ser necessária a tutela do Estado. Ora, para que isto ocorra é preciso que os trabalhadores se organizem de uma forma independente, em cada uma das empresas e sejam agentes mesmos desta negociação. O projeto de Lei estipula que para cada 200 trabalhadores estes elejam um representante por empresa, com máximo de cinco. Estes representantes passariam a ter estabilidade no emprego por um período de seis meses.

Para que exista negociação coletiva, é imprescindível uma representação independente de trabalhadores, organizados em comitês nas empresas. A conquista social é aqui de monta. Ninguém melhor do que os trabalhadores para saberem o que é melhor para eles. Ninguém melhor do que os empregadores para saberem o que é melhor para as suas empresas.

O emaranhado de leis regendo as relações trabalhistas, com súmulas dos mais diferentes tipos e gostos, tenderá a ser algo ultrapassado na medida em que empregadores e trabalhadores passarem a se reconhecer enquanto entidades e pessoas livres.

Sem dúvida, há aqui uma mudança de paradigma, com novas leis expressando um novo tempo. O Brasil não pode mais ficar atrelado ao passado e a ideologias que não mais respondem às necessidades do presente. O país, definitivamente, moderniza-se!
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Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul

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