domingo, 25 de dezembro de 2016

Mudar a Constituição – Editorial | O Estado de S. Paulo

Os deputados Rogério Rosso (PSD-DF) e Miro Teixeira (Rede-RJ) apresentaram Proposta de Emenda Constitucional para instalar uma Assembleia Nacional Constituinte, a ser convocada em 1.º de fevereiro de 2017, “preferencialmente sobre matéria atinente à reforma política e eleitoral”. Segundo os parlamentares, somente por meio dessa convocação será possível “repensar os alicerces de nosso Estado Democrático de Direito, em especial no que concerne ao sistema político vigente”, e “adotar as medidas necessárias ao restabelecimento da normalidade e da pacificação institucional pela qual anseia a sociedade”.

A proposta dos deputados deixa claro que não se trata de uma Constituinte exclusiva, figura que não está prevista na lei, pois a Assembleia poderá discutir outras reformas, como a tributária. Além disso, os constituintes seriam os próprios parlamentares hoje no Congresso, reunidos em uma única câmara. A Assembleia teria até o final da atual legislatura, em 2018, para encerrar os trabalhos, e as emendas resultantes seriam votadas em dois turnos por três quintos dos membros da Assembleia. Na justificativa do projeto, seus autores argumentam que há “necessidade premente de mudança” e que, “diante de tal cenário, cabe ao Congresso Nacional chamar para si a responsabilidade que lhe confere a Lei Maior”.

É indiscutível que o País atravessa uma crise de grandes proporções, possivelmente uma das maiores de sua história. O colapso econômico, o crescente embate entre os Poderes, a desmoralização do mundo político, o protagonismo exagerado do Judiciário e a crise de representação são alguns dos principais sintomas de uma disfuncionalidade crônica do Estado nascido dos sonhos da Assembleia Constituinte de 1988.

Desde aquela histórica quadra, quando se pretendia inscrever na pedra constitucional a superação do regime de exceção, o Brasil enfrenta crises derivadas da excessiva ambição daquele diploma legal. Talvez tenha chegado a hora de considerar seriamente – entre as soluções para frear o iminente desmoronamento institucional, político e econômico do País e evitar novas crises como essa no futuro – a possibilidade de reescrever a Constituição nos pontos em que a atual, por sua ânsia de a tudo regular e prover, trava o desenvolvimento pleno da vida nacional.

Uma revisão como essa pode servir para que finalmente a Constituição reflita, por exemplo, a realidade das contas públicas. Quando se observa que 90% do Orçamento da União é comprometido com benefícios e vinculações de toda sorte, em razão de determinação constitucional, é evidente que o governo estará sempre de mãos atadas para administrar o País. Quando se constata que as obrigações constitucionais resultam num crescimento vegetativo de gastos de 5% a 7% do orçamento anual, fica claro por que o País sofre crises fiscais periódicas, superadas ou por aumento de impostos – hoje impraticáveis – ou por remendos institucionais cada vez menos eficazes.

Semelhante disfuncionalidade se dá também no âmbito da organização política. O atual sistema representativo está falido, com partidos que nada dizem aos eleitores e com mecanismos que favorecem o fisiologismo, o paternalismo e o patrimonialismo. O poder econômico quase sempre prevalece sobre o interesse dos cidadãos em geral, atrelando perigosamente a corrupção ao sistema político.

Decerto tal cenário é muito distinto daquele almejado pelos constituintes de 1988, que pretendiam assegurar o bem-estar e o desenvolvimento por força da lei. Ao longo de seus 28 anos, a Constituição — que já é bastante extensa e complexa — recebeu quase 100 emendas, e essa avalanche não bastou para retirar do texto constitucional os obstáculos à racionalidade econômica e política. Muito ao contrário: tratados como cláusulas pétreas, os dispositivos que exaurem o Estado, a título de cumprir direitos sociais, permanecem intocados.

Considerando-se que há cerca de 1.100 Propostas de Emenda Constitucional em tramitação no Congresso, parece evidente que o País está muito longe da estabilidade legal que um verdadeiro regime democrático demanda, razão pela qual é necessário modificar a Constituição para torná-la a base imperturbável do progresso nacional, e não um amontoado caótico de boas intenções.

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