sábado, 24 de dezembro de 2016

O risco do Nordeste - Míriam Leitão

- O Globo

Cientistas do governo alertam que o Nordeste pode ter em 2017 o sexto ano consecutivo de seca, o que é um comportamento inédito do clima na região. Para que o problema climático não se transforme em uma crise social, o climatologista Carlos Nobre acha que será preciso o governo manter os vários programas sociais que mitigaram o drama regional nos últimos anos.

O Nordeste tem sido castigado de forma dolorosa. Houve três secas fortes em cinco anos de estiagem. Os cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) e Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) reuniram-se para analisar as previsões climáticas com outros órgãos do governo e fecharam o cenário de que há alto risco de um novo ano seco no Nordeste.

A seca deve reduzir a capacidade de recuperação dos açudes da região para o consumo humano. No Ceará, os reservatórios estão em 7% da sua capacidade, em Pernambuco, 8%, e no Rio Grande do Norte, 9%, segundo o professor. Isso é resultado dessa estiagem tão prolongada.

— Pelos dados que temos, é a mais longa estiagem. Só se houve algo assim no século XIX. Os cientistas estavam com o Nordeste no sinal amarelo e agora colocaram o sinal vermelho — diz Carlos Nobre, do Cemaden.

A explicação científica é que quando La Niña é muito fraca, ela não altera as condições do Oceano Pacífico atingido pelo El Niño. Neste caso, o Oceano Atlântico passa a ser mais determinante para o clima. Pelos cálculos, o risco de o índice de chuvas na região ser abaixo da normalidade é de 45%. O problema é a sucessão de anos secos que já pega a região depauperada e os açudes secos. Se as chuvas forem escassas, a agricultura será afetada, mas o pior é o risco social.

— Se a gente não viu nos últimos anos as cenas clássicas de retirantes saindo do Nordeste foi porque o governo manteve vários programas sociais de mitigação específicos para a região. Se não houver previsão orçamentária, devido à crise fiscal, pode ocorrer um problema social grave no ano que vem — alerta Carlos Nobre.

A grande pergunta que surge diante da sequência de eventos extremos no Nordeste é se isso é consequência da mudança climática ou não. Foi o que perguntei. Climatologista não gosta muito dessa pergunta.

— Aí vem a pergunta. Claro que é preciso conduzir uma série de estudos antes de afirmar isso, mas já começa a ter a cara do novo clima. Será assim no Nordeste. Não posso dizer que o futuro chegou, mas é um clima assim que se prevê para o futuro — disse.

Para que nos próximos anos não se repitam os dramas conhecidos do passado, é preciso planejar a economia do Nordeste.

— O Nordeste não será produtor de alimentos, ficará cada vez mais difícil. Ele tem que ser industrial e grande fornecedor de energia. Hoje, a eólica já é uma realidade que supre a escassez da fonte hídrica, mas há um potencial enorme de eólica e solar no Nordeste. A região pode ser um grande produtor de energia se houver investimento certo. Existe potencial para mais de 500 gigawatts de eólica na região. Solar poderá crescer muito. E no futuro, em algumas décadas, a região é a ideal para produzir a energia dos oceanos.

Neste momento, é preciso manter os programas de mitigação do problema emergencial. E é fundamental investir naquilo que é a vocação do Nordeste. Esses são os desafios do Brasil: acudir emergências e pensar no futuro. Carlos Nobre está alertando que é preciso, em relação ao clima do Nordeste, preparar-se para os dois tempos, e isso não tem sido feito.

Nos anos Lula, o Nordeste teve um índice de crescimento acima da média nacional, mas não foi de forma sustentada. Cresceu puxado pelo consumo turbinado por programas sociais, endividamento, e pelo início de algumas obras negociadas politicamente. Várias dessas obras foram interrompidas porque eram equivocadas ou pela descoberta de sobrepreço e propina. Em nenhuma delas se viu a busca da vocação da região. Agora é a hora de manter programas sociais para mitigar a seca e pensar no projeto de longo prazo para o Nordeste, porque o futuro quando chegar será árido como têm sido os últimos anos.

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