quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

Procuradores da Lava-Jato ameaçam renunciar

Por André Guilherme Vieira e Rafael Moro Martins* - Valor Econômico

SÃO PAULO E CURITIBA - Os procuradores do Ministério Público Federal que compõem a Operação Lava-Jato disseram ontem que estão dispostos a "renunciar coletivamente" à investigação caso o presidente Michel Temer decida sancionar as medidas contra a corrupção da forma como foram aprovadas na madrugada de ontem pela Câmara dos Deputados.

"Nossa proposta é de renunciar coletivamente caso essa proposta venha a ser sancionada pelo presidente", disse o procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima.

"A Câmara sinalizou o começo do fim da Lava-Jato", avaliou o procurador Deltan Dallagnol, coordenador da força-tarefa da Lava-Jato em Curitiba.

A renúncia de investigadores, caso aconteça, irá repetir uma manobra bem sucedida na Itália, em 1994. Na ocasião, promotores das Mãos Limpas renunciaram quando o Congresso aprovou uma lei que limitava o poder do Ministério Público de pedir prisões preventivas. A lei havia sido articulada pelo então primeiro-ministro, Silvio Berlusconi. Diante da comoção provocada pela renúncia, o presidente italiano, Oscar Scalfaro, se recusou a sancionar a proposta e a devolveu ao Parlamento, que não voltou a votá-la.


"Somos funcionários públicos, temos uma carreira no Estado e não estaremos mais protegidos pela lei. Se nós acusarmos, poderemos ser acusados. Podemos responder inclusive pelo nosso patrimônio. Não é possível em nenhum Estado de Direito que não se protejam promotores e procuradores contra os próprios acusados" afirmou Lima que, ao contrário de Dallagnol - procurador natural do caso Lava-Jato - e assim como a maior parte dos outros 11 procuradores que atuam em Curitiba, tem designação para atuar na investigação desde abril de 2014, por meio de portaria do procurador geral da República Rodrigo Janot.

Dallagnol acusou o governo de se envolver nas negociações para que fosse aprovada o que chamou de "lei da retaliação, da vingança, da intimidação" contra a Lava-Jato."Articulações no Congresso acontecem na maior parte nos bastidores. O que aconteceu ontem, não tenham dúvida, foi a articulação de grandes líderes partidários com líderes do governo."

Segundo nota de repúdio à votação da Câmara lida por Dallagnol durante a entrevista coletiva, a tragédia com o avião da Chapecoense na Colômbia foi usada de modo oportunista pelos deputados para aprovar o projeto.

"Aproveitando-se de um momento de luto e consternação nacional, na calada da madrugada, as propostas foram subvertidas. Foram pervertidas para contrariar o desejo da iniciativa popular e favorecer a corrupção por meio da intimidação do Ministério Público e do Judiciário", diz o comunicado.

Ouvido pelo Valor PRO, serviço em tempo real do Valor, o juiz Sergio Moro, titular da Lava-Jato na primeira instância da Justiça Federal em Curitiba, mostrou-se preocupado com o que considerou ser "descaracterização" e "intimidação da magistratura" envolvendo o projeto das 10 Medidas Contra a Corrupção.

"Preocupa a descaracterização do projeto das 10 Medidas, que tinha apoio de mais de dois milhões de assinaturas, e as propostas aprovadas de intimidação da magistratura", afirmou Moro.
(* especial para o Valor)

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